"O Senhor te guiará
continuamente, e te fartará até em lugares áridos, e fortificará
os teus ossos; serás como um jardim regado, e como um manancial,
cujas águas nunca falham", Is.58:11
PREFÁCIO
TUDO ISTO É VERDADE QUE NÃO CONSIGO EXPRESSAR
Já me achei sorrindo sem
sorrir, já vi meu coração rir sem que minha face se mexesse
E isso acontece de forma permanente e inabalável, já quase de maneira inconsciente e natural
Pois minha alegria é grande demais para ser vista, meu amor do tamanho que não cabe numaexpressão
Meu olho brilha, minha face tem luz que não vejo e não se exalta, que não ouço por fora
Meu lamento se foi e não sei para onde, meu Deus chegou e sei onde está e porque está
Havia um vazio em mim do qual nem me lembro mais, existia uma dor que já não sei como é
Veio o amor, entrou em mim de forma abundante e chegou para ficar:
Ora digam-me se vou esperar para o céu limpar toda minha lágrima? Qual lágrima?
Sei que tenho vida, pois
a Vida sabe que me tem e ela sabe e fala disso dentro de mim
Minha vida não depende de nada, minha vida não depende de meu casamento, felicidade ou dor
Mas meu casamento e felicidade são quem dependem de minha vida, da que eu a tenho dentro de mim.
Posso dizer que também falei "Em Tuas mãos entrego meu espírito" e entreguei,
Pois entreguei mesmo sem saber o que fazia, como há quem não entregue pensando, achando que o faz
Minha dor sumiu e nada mudou fora de mim, todos os objectos cortantes que magoavam em nada mudaram
Mas meu coração mudou, isolou-se da morte e da dor que ainda assolam lá fora, mas não mais em mim
De Deus fiz meu abrigo e digo "Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu
aguilhão?" 1Cor.15:55.
Tudo que falo aqui é verdade, só que tão grande que fica sem expressão e com isso me acham mentiroso
Por isso posso apenas falar pouco, viver muito, amar muito, sendo que meu amor não termina mais
E não temo não poder ser amanhã mais do que já sou hoje: um cântico com menos expressão e mais amor
Se não amo e expresso porque não amo, sendo hipócrita, serei amado e entendido dos que não amam
Se não me expresso porque amo para além do que consigo expressar
Serei apenas amado dos que amam e não só a mim, mas dos que amam porque têm amor por expressar
Assim, falarei, sim, mas quando posso amar, sorrirei mas nem sempre de forma que se veja
Amando sem esforço, vivendo sem a dor de ser ofendido, porque a vida é agora em mim, como é lá no céu
Não mais chorarei a não ser por falta de amor para dar, por falta de vida que não sei como expressar.
Meu Deus, que bem que me fizeste, buscando-me sempre que não te buscava, achando-me sempre primeiro
Vivia longe da vida vivendo para mim e nada tinha para dar a não ser dor que também não sabia expressar
Agora sei o que é Vida que busca sem ser amada; ela não depende de mim mas sou eu quem dela depende.
Tudo que sou, tudo que sei, tudo que dou é Vida, porque Vida achei e com ela me reconciliei como ela é
Não mais preciso fingir a alegria, pois ela é enorme demais para a buscar e achar pela via do fingimento
Não mais preciso segurar a felicidade, pois a vida é minha ocupação permanente, todo meu envolvimento.
Quem busca felicidade não busca Vida, quem acha Vida achou felicidade também
Meu cântico é de amor que não sei expressar, por meu Deus que não sei ver porque não cabe em minha visão
Tudo nos é acrescentado, tudo nos é dado, desde que busquemos e achemos essa Vida de Quem tudo é.
JOSÉ MATEUS
CAPÍTULO 1
Nasci em Angola. Sou filho de pai português e de mãe descendente de
Sul-Africanos. Não era católico praticante, mas alguém que temia
qualquer coisa que fosse sobrenatural; temia porque não sabia o que lá
se passava e tudo o que tivesse a ver com Deus ou bruxedo fazia-me
estremecer. Como não sabia distinguir entre Deus e bruxedo, não sabendo
que sempre foram coisas opostas, pensava inconscientemente que se
tratava do mesmo fenómeno.
Tive um pai fabuloso, uma mãe que me criou dentro do melhor que sabia e
que me carregou nos seus braços desde criança. Lembro-me das muitas
vezes que o meu pai me punha a conduzir ao seu colo quando tinha entre
dois a seis anos de idade. Raras foram as vezes em que ele não me punha
ao seu colo quando surgiam oportunidades e locais apropriados, isto para
que me pudesse sentir um grande condutor. A minha mãe, muito bonita,
punha-se sempre a ver o que os dois homens da família estavam a fazer,
não fossem eles distrair-se por qualquer motivo!
Assim, em criança era muito vivaço, naturalmente traquina e travesso.
Jogava futebol, tinha alguma aptidão para os estudos e coroava com êxito
muito daquilo que empreendia, sendo o futebol a área em que mais me
destacava. Recordo-me que estava sempre a jogar com e contra equipas
compostas de outros jovens muito mais velhos que eu. Era audaz no jogo e
despontava naturalmente e isso fazia os mais velhos quererem sempre que
integrasse as suas equipas. Tal ocorrência também me trazia muitos
sonhos à flor da pele, pensando eu que um dia seria como o Eusébio ou o
Pelé. Naturalmente, também me sujeitei aos muitos vícios das crianças e
isto desde muito cedo. Fui bastante feliz até aos meus dez anos de
idade. Foi nesta tenra idade que sofri a primeira das muitas, grandes e
bruscas mudanças que sempre foram ocorrendo ao longo da minha ainda
curta vida.
Num triste Sábado, fui atropelado por uma bicicleta quando me deslocava
para os treinos de futebol, na escola e onde nunca chegaria. Este foi o
primeiro aviso de que a minha vida iria mudar e desde muito cedo se vê
uma Mão poderosa por detrás de tudo o que me ocorria - e hoje tudo se
faz por reverter a meu favor. Foi desde esse infeliz dia que passei a
fazer visitas regulares a médicos, mais tarde a bruxos e outros que
fosse. Logo de seguida - umas poucas semanas depois - comecei a
sentir-me mal, embora não sabendo ao certo porquê. A situação
agravara-se com uma brusca broncopneumonia que me levou a consultar uma
médica que tinha acabado de finalizar o seu curso de medicina, a qual
ainda não sabia muito bem o que receitar. Isto levou a que tudo se
agravasse ainda mais. Esta médica, estagiaria, consultou alguns livros
enquanto me auscultava e depois de muito ler e pouco consultar, deu-me
uma prescrição de medicamentos que só achamos normal enquanto não fomos
à farmácia. Acertou no diagnóstico, mas assustou a minha pobre mãe com a
quantidade de caixas de medicamentos com que saímos da farmácia, onde
nos deslocamos para aviar aquela simples prescrição. O ter acertado no
diagnóstico reputo por bom, porque olhando para a receita penso que
poderia ter sido pior: quase foi preciso um carrinho de mão para
transportar toda a minha 'cura' para o carro e deste para casa!
Uma simples reunião entre mãe e mãe, de próprio a próprio, deu logo para
perceber que me iria sujeitar a uma outra consulta por outra médica que
na altura morava perto de nossa casa. Pelo sim, pelo não, a minha mãe,
que sempre foi um género de 'farmacêutica' por causa da sua 'aptidão'
natural para distribuir medicamentos a quem quer que se sentisse
'doente', pôs logo de parte cerca de metade da receita que havia aviado
na farmácia local, não fosse esta medica enganar-se também. Quanto à
outra metade, levou-a para mostrar na consulta. Para espanto de todos,
embora o diagnóstico fosse irremediavelmente confirmado, o receituário
foi substancialmente reduzido para provavelmente menos de metade das
muitas caixas que a minha mãe ousara carregar até esta médica - quer
dizer que fui tratado apenas com cerca de um quarto daquilo que
originalmente me havia sido prescrito. Não que fosse esse o grande
dilema: para mim só contava que tinha de levar várias injecções, não sei
bem quantas vezes ao dia. Bom era terem sido substancialmente reduzidas
as picadelas que ia levar, mas, quanto a mim, resolveria a questão duma
outra maneira muito mais simples e menos dolorosa! Não sei se no entanto
sobreviveria a tal feito! E como os médicos sabem sempre mais, mesmo
quando nos furam a pele, fui levando injecções durante o que para mim
seria uma eternidade, eternidade essa que se prolongou muito mais porque
estava proibido de jogar futebol, de correr e de fazer qualquer esforço
físico. Seria mais por essa razão que não "via" o dia bater-me à porta
em que me deixassem voltar à minha vida normal. Mas isso nunca mais iria
acontecer, por muito que alguém quisesse, porque, algum tempo depois,
ocorreu algo que iria determinar todo o meu futuro.
Os meus pais estavam fora, numa fazenda de gado que possuíam no sul de
Angola, a uns bons quatrocentos quilómetros da cidade onde vivíamos. Eu
estava na casa da minha avó materna por causa da escola, sentindo muito
a sua ausência. Certo dia, estava a brincar com os meus primos na rua e
comecei a sentir uma ligeira dor numa das nádegas, no sítio onde havia
levado injecções. Naquele momento não dei muita importância a esta
ocorrência, mas, passado uma hora ou duas (não sei ao certo), a dor
começou a ser quase insuportável. Minuto a minuto foi-se intensificando
de tal modo que havia mesmo deixado de ser despercebida. Fui ter com a
minha avó e queixei-me. Passado ainda mais algum tempo, quando já era
noite e os meus primos já se haviam ido embora, a dor não só resolveu
molestar-me ainda mais, como passou a banquetear-se nas duas nádegas -
uma já não lhe chegava. O inferno por que passei nas horas seguintes,
são dos momentos mais horríveis de que tenho memória. De tão intensos
que foram que me recordo hoje muito mal de quanto tempo passei aos
gritos em busca de alívio - tenho uma noção de que me parecia uma
eternidade daquelas em que o tempo passava por mim impiedosamente
despercebido, como se nunca mais fosse acabar aquele martírio.
Nunca houve uma explicação plausível para o que ali se passou comigo -
para mim foi simplesmente um inferno do qual eu não via chegar o fim.
Lembro-me de ter a sensação de me faltar a respiração e de me abrirem as
janelas, tentando que assim obtivesse milagrosamente algum alívio com o
ar fresco daquela noite de tormentos inexplicáveis. A minha pobre avó já
não sabia o que fazer. Como único recurso levou-me para o hospital local
por volta das dez da noite. Mas imagine-se quem iríamos encontrar lá
para me consultar: pois, nem mais nem menos do que a médica que foi aos
livros ler o que me havia de receitar, aquando da broncopneumonia. Já se
imaginaram a pensar estarem a ser consultados por uma má feiticeira que
resolvia sempre o dilema consultando os seus livros para ver que mal
poderia extrair destes para melhor nos atormentar? Foi o que ocorreu,
pois, para não ser muito diferente da última e única consulta que me
havia feito, foi outra vez aos seus livros, que mais pareciam de magia,
tentar obter um outro conselho para me poder oferecer algum alívio do
inferno pelo qual passava. Se já estava num inferno mesmo, nada mais que
colorir o mal com uma consulta com alguém que não destoasse em nada do
ambiente que fez por me estar a rodear. Lembro-me, porém muito
vagamente, do resto da consulta em si. Recordo-me apenas que fui para
casa depois de ter sido medicado (não sei bem com o quê) e de ter ido
para a cama da minha mãe, deitando-se o meu tio ao lado. Todos os meus
pedidos naquela agonia me eram concedidos e como gostaria muito de me
deitar na cama de minha mãe que estava fora há tempo demais para mim,
ninguém se sentia com vontade de não aceder àquela chantagem envolta em
lágrimas. Pensava talvez que o cheiro da minha mãe, ou seu travesseiro
apenas, bastariam para me dar o único consolo que buscava naquele
momento, porque os outros não conseguiriam fazer-me imaginar perto dela.
Dormi durante algum tempo, para tornar a acordar com dores muito piores
do que as anteriores. Fui de novo levado para o hospital um pouco à
força, porque sabia que iria ser atendido pela pessoa que já conhecia.
Mas desta vez foi diferente, porque esta 'bruxa' má foi ao seu guisado
desencantar um enfermeiro que me administrou uma dose de morfina em cada
nádega. Penso que a dose daria para drogar qualquer "super-cavalo" e eu,
como criança que era, senti logo os seus efeitos - foi a única vez que
passei por drogado na minha curta vida!
Aplicaram-me uns pensos estranhos nas nádegas e pensei que iria para casa
logo de seguida. Mas não, porque, contra o que mais esperava e
desejaria, resolveram que iria ficar ali debaixo do olho maligno daquela
que eu consideraria como uma fada malévola. Deram-me ordem de
internamento. Lembrando-me porém que o meu pai se havia recusado
deixar-me internado naquele hospital quando tive a pneumonia e visto a
chantagem das minhas muitas palavras em choro não estarem a resultar
desta vez, tentei desesperadamente fugir dali. Se me tivessem deixado
correr, muito dificilmente me apanhariam para me aprisionarem na casa
daquela senhora que lia nos livros o mal que me havia de infligir e que
cheirava muito a éter. Mas como para me internarem os livros não traziam
qualquer sugestão em contrário, agarraram-me, levaram-me e puseram-me em
cima duma maca com rodas, pois as camas do hospital estavam todas
lotadas. Tentei calar-me para passar despercebido e, recordo-me que
quando me largaram por breves momentos, por os ter levado a pensar que
me havia acalmado, saltei da maca e tentei pôr-me a milhas dali.
Contudo, depois de uns poucos passos dei comigo derreado no chão, sem
forças para me tornar a erguer. Poderia ser da morfina administrada, mas
o que era certo é que estava lentamente (ou muito rapidamente!) a perder
as forças nas pernas. A ultima coisa de que me recordo antes de sucumbir
sob o efeito da droga, foi de estar a ser preso à dita maca com aqueles
cintos de couro característicos das mesmas e que são usados para segurar
lá os pacientes nas correrias pelos corredores dos hospitais, coisa que
muitas vezes me haveria de transportar ao longo dos intensos anos que se
seguiram de entradas e saídas de hospitais. O meu futuro estava, pois,
determinantemente traçado por algo que eu nunca havia escolhido e o qual
nunca me traria quaisquer conclusões sobre as razões de tudo aquilo. Não
me dera oportunidade de escolher algo diferente do infortúnio.
Horas mais tarde, suponho, despertei de um pesado sono para entrar num
pesadelo que ainda hoje se encontra fresco na minha memória. Penso que
acordei a dizer que queria ir à casa de banho. Mas também penso que a
simples ideia com que adormeci ainda fervilhava na minha mente, pois a
droga não me havia permitido fugir dali; se foi uma desculpa para tentar
uma nova fuga ou não, não sei precisar ao certo. Porém aconteceu que o
enfermeiro dos meus pesadelos (aquele que havia saído da panela da magia
daquela pessoa de quem eu passei a ter muito medo), apareceu para me
ajudar a sair da maca onde me havia prendido. Levantou-me e retirou-me
daquela cama horrível e dura (da qual ainda me lembro, embora com muita
dor). No entanto, ao retirar-me dali e tentar colocar os meus pés no
chão, entrei num vazio repentino, sendo sugado para o chão onde caí
estrondosamente sem saber muito bem porquê. Ficaram todos espantados a
olhar para mim naquela meia escuridão do quarto sem saberem muito bem o
que fazer, nem tão pouco o que havia ocorrido. O enfermeiro, com olhar
incrédulo, ficou estupefacto a olhar para mim. Passados alguns breves
instantes, tentou erguer-me de novo ao passar-lhe aquele choque inicial
de puro pasmo. A verdade era mais aterradora para eles do que para mim,
porque eu poderia pensar como defesa que estaria ainda a sonhar ou a
passar por um pesadelo que logo passaria. Mas para eles não haveria
alternativa senão conciliarem-se com a vista daquela horrorosa
realidade. Descobrimos que perdera por completo as forças nas pernas. De
nada valiam os muitos esforços para tentar remediar a questão
incontornável que perante todos se deparou. Perdi toda e qualquer
sensibilidade (que mais tarde recuperei) e debaixo de mim apenas havia
um pequeno abismo com fundo duro que me engolia sempre que tentavam
pôr-me de pé. O enfermeiro ainda gritou comigo em desespero de causa
para que eu tentasse segurar-me firme nas minhas pernas. O seu grito
fez-me ver que realmente estaria acordado, pois o eco deste assustou-me
tanto que só não me poria em pé se não pudesse! Deitaram-me de novo e
adormeci para aquilo que não seria apenas um pesadelo do qual me
esqueceria ao acordar.
Pela manhã estava rodeado de vários médicos mesmo antes de abrir os
olhos, creio. Por cada olho que abria, via a silhueta de dois ou três e
quando os esfreguei vi aparecerem mais uns enfermeiros com uma agulha de
mais de dez centímetros numa seringa. Esta seria usada para que me fosse
extraída medula ou algo assim, para fins de análises. Estava paralisado
da cintura para baixo e ninguém sabia muito bem porquê. Fenómeno ou
negligência médica, ninguém sabia. Também nunca chegariam
verdadeiramente a conseguir desvendar todo aquele imbróglio panorâmico
que perante todos se evidenciava já como uma certeza aterradora e sem
volta. Seguiram-se análises e mais análises das quais nada se concluiu:
não acusavam nada de nada. Durante alguns dias, ou mesmo semanas, passei
por dezenas de picadelas e agulhas, testes e mais testes partir dos
quais nunca se conseguiu concluir nada, nem desvendar a causa deste
filme de horror que lentamente se começava a prefigurar como
irreversível. E foi assim que comecei a viver as coisas: como um filme
de horror que assistia de corpo e alma, mas que na realidade não se
tratava de nada do género. Pensei que não estava mesmo a viver tudo
aquilo, mas as evidências logravam contradizer-me sempre que tinha de
ser carregado para onde achassem que deveria ir. Como vivia apenas como
protagonista num filme, a imaginação é que ditava que a 'realidade'
fosse outra. E assim começou a minha luta pela sobrevivência e pela
busca de verdade, porque a minha imaginação atraiçoava-me sempre que
queria correr, jogar futebol ou brincar normalmente. Esta foi no entanto
sempre uma mestre aliada para a vida futura que se adivinhava agreste.
Não terá sido necessariamente por causa de tudo isto, mas penso que,
aqui sim, tudo começou rumo à vida que até então desconhecia e da qual
pretendo falar adiante. O que encontrei mais tarde foi vida sem mácula e
assustadoramente bela e real - antes assim! Mas já lá irei.
Passei muito tempo no hospital, já na presença dos meus pais. Decorrido
algum tempo, julgo que cerca de alguns meses, a minha mãe descobriu que
eu estava com feridas nas costas por má assistência hospitalar, passando
muito tempo deitado na mesma posição sem ser virado. Por essa razão
levou-me para casa, não se importando de correr os riscos de ter de
cuidar de mim lá. O despacho da sua fúria, que tinha já de si muito a
que responder também devido à grande tristeza que lhe ia na alma, ditou
que iria para casa. Há momentos como este em que uma mãe zangada
consegue pôr um filho feliz - existem outros que não. Ela sentia-se
assim porque tinha de reagir muito depressa à surpresa e à dor que tudo
aquilo havia sido para ela também. Porém essa surpresa e dor passariam
logo de seguida a ser encaradas apenas como um contratempo menor, pois o
amor de mãe levou-a a pensar, embora escondidamente envolta em lágrimas,
que haveria de existir alguém neste imenso mundo com poder para me
curar, o qual acabaria por aparecer e tudo acabaria, enfim, em bem.
Devido a esta esperança à qual o amor de mãe permite chegar, mesmo contra
qualquer evidência, por mais concludente e persuasiva que esta possa
ser, continuei a saga de exames e correrias entre médicos e quem mais
dizia ter poderes para me curar: desde feiticeiros africanos a
especialistas em ortopedia, não havia ninguém a quem os meus pobres e
dedicados pais não recorressem - perto ou distante, para eles nada
importava. Recorri ao lado negro do espiritismo e da bruxaria de muito
género sem, claro está, encontrar a cura em que, a partir de certo
momento, só os meus pais acreditavam. Nesta onda de busca tive a
oportunidade de conviver e ver de perto muito do real e da mentira que
existem nos círculos do espiritismo e outro género de práticas que hoje
sei serem poderes reais, mas satânicos. Durante os anos seguintes
percorri tudo o que era curandeiro ou espírita na ânsia de poder ser
curado, ou de então encontrar alguma explicação para o que me havia
acontecido. Porém, nem uma coisa nem outra ocorreriam.
Lembro-me por exemplo de um dos muitos esforços rocambolescos que foi o
de ter ido visitar um padre católico que se dizia operar alguns milagres
em nome de Cristo e de não passar de mais um espírita a usar o nome de
quem não devia. Porém, os seus poderes eram reais e impressionantes,
embora agora saiba qual a sua origem maléfica. Recordo-me que fomos três
famílias em busca deste dito padre por razões de cura bastante diversas.
Uma dessas famílias era a minha professora da escola primária que tinha
o marido doente com uma enfermidade que agora não consigo precisar.
Viajamos sob um regime de 'apartheid', isto é, homens num carro e
mulheres noutro, isto por imposição graciosa de meu pai. Eu com meu
querido pai íamos no carro de minha professora conduzido pelo marido
desta, enquanto ela ia com a minha mãe no nosso carro.
Este carro onde viajávamos eu e meu pai, havia sido uma recente aquisição
do seu orgulhoso dono. Por essa razão, ele não parava de insinuar como
havia sido uma bela compra, não parando de mostrar a sua enorme
satisfação com o seu novo 'brinquedo'. Tanto assim era que lá convenceu
o meu pai a dirigi-lo por algum tempo durante a longa viagem de mais de
quinhentos quilómetros, só para melhor poder substanciar o orgulho que
considerava legitimo dadas as circunstancias. Ele queria que o meu pai
se orgulhasse também daquilo que tanto o empolgava. Mas para espanto do
homem, o meu pai, manifestou uma opinião oposta à esperada ao pegar no
volante daquela virgem viatura. Disse-lhe que algo de errado se passava
com a direcção do seu carro novo! Algum defeito numa das rodas ou algo
assim, explicava meu pai muito sério ao incrédulo homem: "é que o seu
carro dá uns esticões para fora da estrada e só com algum custo é que
consigo controlá-lo". O pobre homem gelou com aquela acusação, pois
estava à espera que saísse um elogio quente da boca do meu pai e em vez
disso saiu um punhal em direcção à sua agora defraudada expectativa!
"Não pode ser", dizia o pobre senhor em sua defesa, tentando ganhar
tempo para se recompor daquele 'rude' golpe, "deixe-me lá confirmar
isso". Trocaram de lugar e o dono não via nem se apercebia de nada de
errado com seu carro. Foi então a vez do meu pai dizer "não pode ser",
pois a pressão da 'acusação' que havia feito, havia rebolado para o seu
lado. Pararam o carro de novo e tornaram a trocar de posição para nova
experiência de condução por parte de quem sabia não estar a inventar o
que fosse. Incrivelmente, alguns quilómetros de viajem mais e deu para
perceber que algo muito estranho de facto se passava com o novo carro do
senhor. No entanto, descobrimos mais tarde que não se tratara de
qualquer problema mecânico.
Chegámos ao local dos rituais do dito padre mesmo a tempo de assistir a
uma das suas sessões espíritas. Lembro-me que estava muita gente no
local, tanto fora como dentro da casa que era usada para o efeito. Do
lado de fora estava um homem a ludibriar gente com umas práticas muito
estranhas, desde revirar olhos a dizer coisas imperceptíveis. Entrei ao
colo do meu pai e sentámo-nos no chão duma sala diante do misterioso
padre em quem agora depositávamos alguma esperança. Só os doentes lá
podiam entrar por haver grandes limitações de espaço; ele estava sentado
num banco comprido com quatro mulheres (creio que se intitulavam de
médiuns), duas de cada lado, mesmo diante de mim e de meu pai. De
repente uma delas caiu no espaço vazio que havia no chão à nossa frente
e rugia com um olhar feroz e muito avermelhado! O padre colocou-lhe um
pé em cima como sinal de autoridade e a mulher não se mexeu debaixo
dele. Amainando assim a sua dita fúria, perguntou ao demónio que a havia
possuído o que o trazia ali. Disse assim o demónio: "quero destruir (ou
matar, não sei ao certo) aquele que está ali com o pai. (Ninguém nos
conhecia naquele local). "Mostra-me lá a quem te referes", disse-lhe o
padre levantando o pé de cima dela como que dando-lhe a liberdade de ir
mostrar a pessoa a quem se referia; a mulher foi directamente em nossa
direcção com uma fúria tal, dando dois ou três poderosos e inesperados
estalos ao meu pobre pai. O meu pai, que é descrente no tocante a certos
fenómenos sobrenaturais, ainda mais agnóstico ficou com isto de uma
mulher lhe estar a bater sem ele lhe poder responder à letra! Foi no
entanto com algum custo que se conteve, não respondendo com alguma
contra agressão. A mulher deve à surpresa que causou o não ter levado
nada em troca, pois esta ocorrência ficou atravessada na garganta de meu
pai e embora a sua maçã de Adão continuasse singular, ficou tão
espantado e mudo que ainda hoje não quer falar sobre o assunto!
O padre gritou uma ordem de volta e ela (ou o demónio) obedeceu e relatou
então que já me tentara matar varias vezes antes. Disse, entre outras
coisas, que desde que nasci me perseguia e que sempre lhe escapara. (Não
quero de maneira alguma dar credibilidade o que aqui se passou, nem tão
pouco fazer crer em demónios, que são mentirosos por natureza; apenas
tento relatar o que ali ocorria, sem pôr nem tirar, na medida que me
permite a memória). Disse que alguém havia cozido uns olhos de rã ou
algo assim antes de eu haver nascido e que o propósito seria evitar que
vivesse. Eu estava perplexo em silencio a olhar para tudo aquilo. É
sabido que estas práticas são demonstrativas do real poder de quem se
chama Diabo e que não faz nada mais que tentar dar credibilidade a quem
o rodeia e serve. Aqui está um exemplo vivo do que se faz para dar
credibilidade em opinião a quem afasta as pessoas através de práticas
que serão sempre condenáveis perante Quem criou o Universo. Estes
demónios eram reais, sobre isso não tenho qualquer dúvida. Existem
muitos praticantes charlatães nestes meios, o que não seria o caso aqui,
seguramente. Mas mesmo sendo verdade como o eram estes, não quero de
maneira nenhuma passar a ideia que se pode viver nestes antros de real
engano sem esperar que, mais tarde ou mais cedo, a ira de Deus se não
manifeste contra quem passa o seu precioso tempo a dar ouvidos a
"doutrinas de demónios".
Agora repare-se na demonstração sabiamente maléfica destes demónios para
fornecerem credibilidade a quem desvia do bem. O demónio que possuiu
aquela mulher, disse que havia feito tudo para que eu nunca chegasse
aquele lugar onde, passo a citar, "ia ser ajudado". Passou então a
relatar em pormenor aquilo que ocorrera connosco na estrada, (do carro
querer sair da estrada, etc.). Riu-se do meu pai por este haver pensado
que algo de errado se passava com o recém-adquirido carro do senhor com
quem viajámos. Disse outras coisas mais também que não poderei aqui
relatar porque a memória atraiçoa-me. Mas, as suas palavras davam sempre
a entender que o dito padre seria sempre o bom da fita e o poderoso
naquele antro, enquanto estes demónios se faziam passar 'humildemente'
pelos maus do filme, os quais deveriam sempre ser expulsos dali, se
calhar para voltar numa outra sessão personificando-se de outros sem
nunca deixarem de ser os mesmos protagonistas! No entanto, formavam uma
equipa coesa que se enlaçava em formas de entre ajuda mútua, pois, estes
passavam por maus para o padre enganador e espírita ganhar a
credibilidade. Muito se esforçavam, também, para enraizar crenças
através da surpresa que a veracidade das suas ocorrências produziam em
quem as presenciava. O medo que incutiam nas pessoas, eram a sua
poderosa arma contra qualquer bem. O facto de as pessoas serem apanhadas
desprevenidas, munia-os duma certa estranheza de poder na crença de quem
nada vê mesmo, para aprofundar as praticas de espiritismo existentes,
tão somente para aterrar nas mais densas e convincentes trevas quem não
vê.
Lá para o fim do dia, o dito padre consultou pessoalmente quem quisesse
falar com ele e fez-me umas rezas estranhas com uma chave que, dizia
ele, fechariam o meu corpo. Fomos para casa aconselhados a comprar uma
garrafa de um líquido qualquer que era vendido por eles e sobre o qual o
padre enganador havia rezado. Não podíamos deixar de ir ao supermercado
do padre, pois este necessitaria de vender os seus produtos. Teria de
beber de quando em quando dessa água para poder ficar bom. Nunca
cheguei, no entanto, a provar tal coisa! Mas continuei paralítico e não
foi por haver-me abstido de beber dessa dita água benta!
Durante muito tempo, depois de chegarmos a casa, isto foi tema de
conversa entre família e vizinhos. O meu pai que fora involuntariamente
um participante activo nesta história, que ele preferiria que não se
houvesse passado com ele, optou por se mostrar ainda mais agnóstico para
poder de alguma forma manter a sua pose forçada de descrente. Se ele
soubesse que daria naquilo tudo, teria evitado a qualquer custo o ter
sido ele a levar-me lá! Foi provavelmente por essa razão que ele
declinou levar-me à traseira da igreja para ser benzido pelo padre com
aquela chave que este desencantou do grande bolso da sua batina, pois
havia sido a minha mãe que fizera por lá me levar ao seu colo. Só que
não saberia nunca como explicar racionalmente o que se passara connosco
naquele local. Por isso mesmo, nunca vi o meu pai comentar algo sobre o
assunto, talvez para não ter de se envolver naquilo que ele "sabia" ser
alguma tramóia que ele não saberia bem como explicar.
Assim foi passando o tempo e eu continuava a minha nova forma de vida na
escola agora andando de muletas e tentando fazer com as mesmas tudo
aquilo que deixara de poder fazer por causa da súbita paralisia que tão
descaradamente me surpreendera. Subia árvores feito macaquinho e
"jogava" futebol de canadianas e os meus primos logo iam arranjando
maneiras de me deixarem participar nos seus jogos por sentirem algo que
os comovia a permitirem-me participar e integrar como legitimo parceiro
em tudo o que fizessem. Nunca me senti, nem nunca me permitiram sentir
diferente de ninguém e o que não conseguia fazer era encarado com uma
espantosa naturalidade de criança. Lembro-me que até mesmo nos meus
sonhos nesta fase da minha vida, andava sempre e corria normalmente,
aparecendo inquestionavelmente sempre como um herói normal que fugia de
quem o perseguisse, mesmo que para isso necessitasse de voar acima de
qualquer perigo. Sempre que sonhei, nunca dei comigo a andar de
canadianas ou como sendo deficiente: aparecia sempre como me conhecia
antes de me tornar paralítico. Penso também que quem comigo brincava,
rapidamente se adaptara àquela nova realidade, principalmente os meus
primos para quem, de certa maneira, eu passara a ser um protegido muito
especial. Estes também nunca podiam aceitar-me de outra maneira, pois
estávamos sempre juntos e a surpresa de tudo aquilo não lhes permitiu
evidenciar algum outro comportamento senão o que tinham antes do
infortúnio me haver batido à porta.
Mas lá no fundo desenvolveu-se seguramente uma grande vontade de vencer,
custasse o que custasse, uma teimosia que ainda hoje tenho de limitar
dentro do aceitável. No meu subconsciente desenvolveu-se uma fúria de
sobrevivência tal que me levou durante anos a fio a patamares de sucesso
e também de cansaço interior incomparáveis. Esta fúria silenciosa passou
a ser uma parceira despercebida e, de tão actuante que era, passou a
conviver no meu ser naturalmente sem dar qualquer indício ou sinal de
alguma vez ser qualquer coisa estranha. Eu não me esforçava por ter
força de vontade: tinha-a muito naturalmente por tentar recuperar tudo o
que havia perdido porque a lei da sobrevivência assim o determinava.
Passei a ser escravo de tudo ter de conseguir fazer. Foi esta atitude
que, embora me assegurasse uma certa sobrevivência de algum modo
agonizante, não me deixou descansar com a plenitude de vida que acabei
por encontrar mais tarde, pois é distinta na sua maneira de viver.
Passava os meus momentos a desafiar fosse o que fosse e, deste modo, a
sobrevivência estava assegurada num mundo amargurado, o qual eu nunca
reconheceria como tal. Se o fizesse, teria necessariamente de cair na
tentação de parar para dar ouvidos a evidências impiedosas às quais eu
nunca saberia como responder. Vivi assim durante muitos anos mesmo e os
elogios verdadeiros que recebia de variados quadrantes, faziam por
alimentar ainda mais este estado de coisas, pois não me deixavam parar
para olhar a silhueta que a sombra da verdade projectava contra a parede
que não me deixava passar aquela fronteira para onde poderia correr e
brincar livremente.
Passei a ser elogiado por todos pela rebeldia que evidenciava quando um
obstáculo não me permitia fazer aquilo que outros faziam. Aprendi muito
naturalmente também a liderar todo o tipo de brincadeira ou situação
para não ter de ficar de fora dos círculos de amigos e familiares para
que assim, talvez, não tivesse de me explicar perante uma qualquer
realidade que não gostava de encarar. Os meus amigos permitiam-me muitos
caprichos para não me excluírem das muitas coisas que as crianças fazem
sempre juntas. Só que as brincadeiras eram quase sempre concebidas onde
eu pudesse ser um protagonista activo, o que levava os meus parceiros a
serem escravos daquilo que eu poderia ou não fazer, excluindo-se estes
voluntariamente das suas brincadeiras normais de correrias. Os meus
primos principalmente seriam imbatíveis nesta sua benevolência.
Na escola excedia de longe todos em persistência e nos exames muito
dificilmente não era sempre o melhor. Tal era a atenção que prestava nas
aulas que nunca precisava de estudar em casa para tirar boas notas,
principalmente nas disciplinas de que gostava. Na verdade, vingava-me no
que podia e enfrentava tudo na vida como um possível adversário que me
queria derrubar e também privar de uma vida normal. A agilidade que
perdera nas pernas, estacionou-se na mente e passei a aprender a usar a
inteligência que possuía e que antes se encontrava um tanto ou quanto
adormecida pela distracção infligida pelo gosto de jogar à bola e não
só. Compensava os meus primos nas aulas com os grandes problemas
aritméticos que as professoras nos davam para fazer e para os quais eles
tinham muito poucas aptidões - tentava sempre resolver-lhes esses
problemas às escondidas, dando-lhes dicas para que acabassem sempre
antes da concorrência, que por sua vez era bravíssima! Como isso os
alegrava, seria assim que tentava compensar de alguma maneira o amor e
desinteresse próprio que demonstravam para comigo. Destacava-me em
disciplinas mais difíceis como matemática e sempre que podia ajudar os
meus primos a acabarem antes de quem era mais perspicaz que eles, isso
enchiam de enorme gozo.
A vida em si tornou-se, enfim, um adversário de respeito e, pior ainda,
sem escrúpulos. Só que eu queria sair vencedor de qualquer disputa que,
com o tempo e por vezes, só passaria a existir no pequeno e hipotético
reino da minha própria imaginação. Creio que os adversários começavam a
'aparecer' de todas as possíveis origens, tanto os reais como os
irreais. Os irreais passaram a ser os assíduos convidados dos outros e
nunca me pude desembaraçar da inimizade que entretanto fizera por
labutar e dar vida contra coisas que só eu mesmo via. Tirar-me dessa
luta seria uma tarefa absurda, pois tão enraizado se tornou o
envolvimento nela no meu interior que pensar em viver sem ela não fazia
sentido. Tudo se tornou uma disputa pessoal e a minha forma de vida
transfigurou toda a razão; nada deixava de ser competitivo e esta
maneira de ser revelou-se fatídica, não me permitindo qualquer descanso
interior, cansando-me imensamente o espírito desde muito cedo. Mas, por
estranho que pareça, saía sempre vencedor de qualquer disputa, até das
que acabavam por ser apenas idealizadas, nem que para isso tivesse de
imaginar para além de qualquer inconformidade - é que conformar-me nunca
seria opção sequer! Recordo-me que até para os meus pesadelos, mesmo
enquanto dormia, encontrei solução: saia deles vendo que não passavam de
sonhos que nada tinham a ver com a realidade das coisas. Acordava sempre
a rir-me dos maus sonhos que tinha e passado algum tempo nem sequer os
teria mais! Foi desta maneira que comecei globalmente a encarar a minha
vida.
Foi assim também que fui levado ao sabor dos ventos, que de certo modo eu
próprio fui levado a criar durante os anos seguintes, por me esconder
muito bem de qualquer realidade vivendo muito e apenas daquilo que
imaginava. Isto, por sua vez, instigava-me a ver as coisas
imaginariamente reais - não tinha como mentir à real percepção das
coisas que interiorizava para que, depois de ruminado, exteriorizasse
num outro formato. Readaptava todas as realidades às minhas actuais
capacidades, mesmo sem saber como! Só que tudo isto logo viraria solidão
devido à guerra que entretanto começara em Angola, a qual obrigaria a
separar-me da família por muitos e longuíssimos anos. O meu mundo
desabou ainda mais e os meus sonhos readaptados também desvaneceram. Não
bastaria a casa dos meus sonhos haver ruído, como também haveriam as
ditas ruínas de serem engolidas por um abismo que se abriu na terra onde
permaneciam. Está claro que com esta forma de encarar a vida,
vivia sempre muito mais do que devia, porque a imaginação não parava em
direcção às realidades que fariam sempre por me assolar e surpreender.
Foi assim que me tornei num adulto precoce.
Nunca fui adepto de pensamento positivo porque eu nunca me permitia a
veleidade sequer de pensar que a minha vida não pudesse ser positiva. A
imaginação que possuo realizava milagres tais que as doutrinas do
pensamento positivo sempre me pareceriam coisas banais perante a maneira
como enfrentava a vida. Aprendi então e também, a fechar-me cada vez
mais à realidade das coisas e de as ir contemplando apenas muito
vagarosamente sempre na medida e no tempo em que pudesse assegurar uma
visão regenerada das mesmas, a menos que algo me sucedesse que eu não
pudesse de qualquer maneira alterar em forma. Se não conseguisse
recapitular as coisas de forma a que viessem a mim num formato concebido
para me agradar, então ia assimilando tudo lentamente de maneira tal que
não me ferisse e não beliscasse a realidade que para mim quereria que
existisse. Esta maneira de fugir à realidade digamos, seria uma
preciosidade também, porque foi assim que aprendi a ser verdadeiro
comigo mesmo, embora muito lentamente. Ao tentar evadir-me do real,
concebia uma beleza para a minha própria situação a qual me levava a ver
as coisas duma forma mais real ainda, porque as coisas reformuladas
desta forma teriam sempre o aval da minha aceitação. Com o dito aval,
não tinha como não ver as coisas como eram de facto. É que a fuga da
realidade em que me encontrava, levava-me direitinho aos braços duma
realidade concebida apenas para me agradar. Isto era fatídico e não
tardei em sentir-me cansado com a vida, porque no fundo, ela não
corresponderia nunca aos meus muitos anseios. Uma mão poderosa, porém,
carregava-me ao sabor dos Seus ventos e eu disso não me apercebia ou
nada sabia na altura. É que a verdade no íntimo atrai essa mão poderosa.
A vida nos anos seguintes revelou-se, pensava eu, mais impiedosa ainda,
até ter olhado para cima e desconfiado que algo mais havia que esta vida
não dava - precisamente à vida que tanto me havia atraiçoado até ali.
Passei a viver muito sozinho desde os quinze anos e busquei quem me
criou para Lhe poder colocar umas pequenas questões que me perturbavam
muito e encontrei-O. Mas já lá iremos. Quero chegar ao fim da minha
história dando todos os passos. Mas que encontrei, lá isso é verdade e
por esta razão resolvi escrever este livro, para dizer ao mundo que me
ouve que a vida é outra e muito mais bela do que eu imaginava (e
tenhamos em conta que possuo uma muito fértil capacidade de imaginação!)
Vamos por partes então.
CAPÍTULO 2
Lembro-me dos tempos de escola, já no 5º e 6º ano escolar, onde um padre
nos dava aulas de moral e religião. O que mais gostava eram as histórias
da Bíblia que ele nos contava, como as de David e Golias. Este padre
tinha uma grande aptidão para contá-las e eu para ouvi-las. De certo
modo aquelas histórias conseguiam captar toda a minha imaginação sem
qualquer esforço. De tão bonitas que eram eu até pedia para ouvi-las. A
minha alma encontrava-se muito faminta e debilitada, creio que como a
maioria das pessoas que conheço. Só que tinha a oportunidade de
senti-las muito avidamente perto. Porém, o padre era um homem que nunca
se vestia de padre, de cor negra, o que me levou a admirá-lo bastante.
Se este homem contava aquelas histórias sem sequer as estar a ler é
porque conhecia Deus, pensei, pois não as tinha decoradas e parecia que
as vivia pessoalmente. Que santo deveria ser ele, imaginava! Um belo dia
deixou de contar as ditas histórias e passou a dar aulas sobre outros
assuntos que para mim se espelharam como fatídicas e pareciam nunca mais
acabar. Claro está que estas se tornaram indesejáveis porque nunca mais
se ouviu qualquer narração sobre Quem eu gostaria de poder vir a
encontrar. Como o padre me conseguia fazê-las viver intensamente de tão
belas que eu as achava, parando de contar aquelas histórias assim
abruptamente deixou-me quase sem saber o que pensar de tudo aquilo!
Fiquei suspenso num abismo no qual nunca cheguei a cair. Então, às
Quintas-feiras, ia para as aulas já a desejar que naquele dia ao menos
ouvisse uma história daquelas onde alguém era herói pela intervenção
directa de Quem eu gostaria e desejaria muito que existisse mesmo e Quem
talvez me pudesse ser apresentado por aquele misterioso homem que se
calara sem quaisquer explicações. Acho que um dia lhe cheguei a
perguntar porque razão ele não dizia mais nada sobre aquelas histórias,
ao que ele retorquiu que tinha de seguir com o programa estabelecido
pelo director e que aquelas, para mim avalanches de água viva, haviam
sido de autoria dele, não tendo permissão para as contar.
Conseguindo estas histórias consumir toda e qualquer concentração que em
mim era possível, desejava tanto, por outro lado e por uma ou outra
misteriosa razão, conversar com esse dito padre pessoalmente. Recordo-me
como ele escrevera no quadro de giz de como havia sido o seu percurso de
vida com Deus - fez uma linha muito direita com uma lomba ao meio: a
lomba significava a única vez que ele falhara "e muito gravemente",
dizia ele. Lembro-me porém muito mais do dia em que ocorreu uma das
minhas maiores desilusões de sempre. Desejava tanto vê-lo que contornei
o edifício pelo lado de fora só para poder ver o padre no seu
escritório, o tal que se vestia como um homem e que tão santo seria por
saber de todas aquelas histórias de verdades bonitas! Afinal não era o
padre que era verdadeiro, mas sim as histórias que contava e eu estava a
querer confundir tudo. Quando passei pelas muitas janelas de vidro
(provavelmente pela milésima vez) e por causa daquela ânsia de espírito
que em mim havia em ver o padre mesmo que fosse ao de longe, vi-o
finalmente mas a fumar o seu cigarrinho com um prazer de loucos. Esta
ocorrência foi provavelmente levada a extremos no meu imaginário pelo
simples desapontamento de criança que me trespassara naquele triste
momento. Não que eu já soubesse que Deus condena quem fuma ou algo
assim, embora tal seja verdade também. É que eu aprendera a fumar por
banditismo e como sabia que para mim era um acto condenável (pelo menos
da parte do pai que eu muito amava e admirava), pensei que o padre
estava a fazer uma coisa terrível! Acho que se o visse a cometer
adultério, como já havia ouvido dizer de alguns padres que conhecia, não
teria tido o efeito que teve vê-lo fumar. O padre era um pecador afinal
e fazia coisas pelas quais o meu pai me batia! Concluí, se calhar, que
só contava as histórias de Quem afinal não conhecia. O meu coração doeu
muito em desalento profundo. Foi um choque tão grande para mim que, por
alguma outra razão misteriosa, comecei a sentir-me só no mundo outra vez
- isto para nunca mais olhar para o homem, pois não sabia ainda que a
Bíblia diz: "maldito é o homem que confia no homem (ou noutra coisa!)" e
não em Deus só porque não O vê - se calhar Deus não seria nada mais que
uma história de nos fazer embalar em fé. Subitamente, havia ruído uma
preciosa e muito misteriosa esperança que me acompanhava
despercebidamente. Como depositava já alguma esperança em poder ver Deus
ou saber d'Ele pelo menos, morri tristemente naquele momento mais que
marcante da minha infância. Mas, muito milagrosamente, essa esperança
resistiu tal semente escondida por muitos anos num deserto à espera de
um pouco de água para poder brotar e, se calhar, foi por essa razão que
Deus olhou para mim e viu que o desejava encontrar pessoalmente. São
orações deste género que nunca sairão defraudadas, pois, aquele que O
busca, encontra sempre, seguramente; e se não encontrar será tão só por
uma certa maldição de quem vai bater na porta errada só por esta ter um
letreiro "DEUS" - Deus não usa letreiros e, por isso, não se faz servir
de correios, muito menos se imitam chaminés ou outra coisa qualquer! E
nós deveríamos saber melhor do que isso.
Foi, no entanto e muito principalmente, por causa deste estado de
espírito fraudulento em mim que passei muitos dos problemas que passo a
resumir adiante. Assumo que era idiota, embora nunca tolo, pois, o
idiota busca o que deve buscar onde não deve e, o tolo, diz, ou conclui
'muito sabiamente' por ele, ou tão só, que Deus não existe. O idiota
pode transformar-se num grande tolo por buscar onde nunca deve, tirando
conclusões precipitadas daquilo que não deveria estar a inquirir sobre
quem deveria ser questionado em pessoa sem ser por terceiros! Se Deus é
Deus, não terá Este de responder por Ele? Haja é quem pergunte por Ele a
Ele! Não é a fofoca que pergunta sobre alguém a terceiros? Não sabia que
me assemelhava a uma tia mexeriqueira até descobrir como o era! Mas, o
meu passado de ensino (pouco) religioso - pelo menos daquilo que se
ouvia em meios católicos, embora, depois daquele desapontamento violento
e quase sinistro (pois, poderia tornar-me um tolo porque era idiota!),
nunca mais fosse à bola com quem não sabe que existem bolas que não são
assim tão redondas - levava-me, se calhar, a buscar em terceiros aquilo
a que só Deus em pessoa tem de dar resposta por Ele mesmo. Sempre
me disseram que Maria intercedia por nós juntamente com outros santos,
dos quais alguns se chamavam apóstolos e outros de S.to António e S.ta
Isabel! Eu pouco sabia da Bíblia e pensava que quem andava com ela não
poderia nunca ser o diabo, mesmo sabendo do ditado que diz 'se não os
podes vencer, junta-te a eles'. Esta diz: "não recorrerá um povo ao seu
Deus? A favor dos vivos interrogar-se-ão os mortos?...(Assim!) passarão
pela terra duramente oprimidos e famintos... enfurecendo-se...
amaldiçoando o seu Deus... e olhando para a terra, eis que haverá
angustia e escuridão... e serão arrastados para a escuridão,
entenebrecidos com ânsia... Ao Senhor... a Ele santificai... Ele vos
será Santuário". Mas a mim sempre me foi dito que os únicos Santuários
eram Fátima e Meca! (Isaías 8:9-22).
Se levasse a Bíblia um pouco a
sério podia dar razão a Deus pessoalmente sem quaisquer terceiros. Mas,
assim, só podia assimilar que quem anda de Bíblia na mão ou a usa num
altar ao lado dum boneco com nome de santo, ou expulsa demónios, é quem
é verdadeiro. E se gostamos de agradar a tais pessoas, pior cenário não
pode existir mesmo, pois enganamo-nos sobre assuntos de vida ou morte,
tristeza e alegria, porque nos agrada fazê-lo sob desculpa de que
não queremos magoar quem está perto de nós. Mas, como até as oliveiras
precisam de ser sacudidas para darem azeitonas antes que apodreçam para
de nada mais servirem nem para os porcos... não vejo porque não seguimos
o conselho de Quem disse: "se não negardes pai, mãe e filho, não
podereis seguir (a verdade)... aquele que agrada a homens (mesmo a ele
próprio!) não tem como agradar a Deus".
Passado algum tempo, tendo eu já cerca de catorze anos então, passamos a
fronteira da Namíbia (Sudoeste Africano) para fugir àquela guerra
impiedosa que ainda hoje mata e já lá vão muitos anos. Nada disto seria
surpreendente não tivéssemos sido presos e, por pouco, sumariamente
abatidos por nos considerarem espiões devido à nossa mais que tardia
fuga de Angola. Quase quando já me ia resignar à nossa sorte e com a
imaginação já sem conseguir pôr-me fora de algum caixão - até então a
minha preciosa aliada - já pouco esperávamos e mesmo assim chegou aquela
ajuda que veio provar que, afinal de contas, éramos descendentes de
Sul-Africanos (pela linhagem de minha mãe). Desse modo escapamos a uma
condenação mais que certa e injusta. Daí a entrarmos na capital da
Namíbia como privilegiados foi um passo. Era-nos dito que havia sido
Deus quem nos salvara. Mas eu já não conversava mais sobre esse Ser
misterioso que não sabia se alguma vez me iria aparecer. Gostava que
fosse verdade tudo aquilo que ouvira d'Ele, mas se não fosse verdadeiro
ou não me quisesse ficaria mais desgostoso ainda. Tinha como muito
provável que tal esperança viesse facilmente a ser defraudada. Temia ser
desapontado outra vez, visto Ele talvez não existir ou algo assim. Mas
como gostaria tanto de Lhe poder fazer umas perguntinhas pessoalmente,
não excluía totalmente a hipótese de Ele existir de facto. Só não queria
era falar abertamente sobre o assunto, não fosse sair envergonhado de
mais uma expectativa defraudada. Por causa da nossa ascendência,
deram-nos de imediato vistos de permanência no país e a mim, em cerca de
três anos, foi-me dada a naturalização Sul-Africana que ainda hoje
mantenho com muito gosto.
Como todos sabem, a medicina Sul-africana é louvada e prestigiada em todo
o mundo - é da melhor que há. Por isso, o meu pai estabeleceu desde logo
que iríamos consultar os melhores médicos possíveis. Fui de imediato
consultado por especialistas ortopédicos e a única coisa boa no meio
disso tudo, foi nunca mais ter consultado qualquer bruxo ou espírita.
Como o país que nos acolheu é protestante, as pessoas falam mais de Deus
e não tardou em vir alguém convidar-nos a ir às igrejas locais, embora
nada entendêssemos da língua. Aprendi muito afincadamente Afrikaans com
a ajuda preciosa de minha avó e de seguida o Inglês, as línguas locais;
e de repente, as coisas começaram a tomar um rumo muito estranho e
indesejável para os meus jovens sonhos bastante regenerados e isto em
vida ainda muito tenra. Tinha a coluna vertebral bastante deformada
devido aos muitos excessos descuidados e sem acompanhamento ortopédico e
devido às minhas muitas expedições àquelas tentativas de independência,
das quais muito dependi até então para poder sobreviver. Recebi ordem
para imigrar para uma escola muito especial e por sinal bastante boa,
mais para dentro da África do Sul, isto é em Kimberley, a cidade mais
famosa do século passado pelos seus diamantes. A sua fama, porém não me
entusiasmou assim tanto, visto esta ser a cidade que para mim se
encontrava a milhares de quilómetros de distância da minha família. Esse
facto fazia por me prender numa súbita e profunda tristeza interior, a
qual subia de tom a olhos vistos, tomando grandes e enormes proporções.
Esta ia-me fazendo sentir forçosamente abandonado por não sei quem.
Tenho por seguro que a imaginação pura que terá a capacidade de nos
poder afastar de qualquer realidade, também faz por nos levar a
patamares incalculáveis de consciências de factos, porque, ao aumento
daquela dor, respondeu a imaginação com uma montanha de tristeza - é
precisamente através da imaginação que se pode chegar tanto a qualquer
mentira, como a qualquer verdade. A minha melhor aliada só via como única
saída, o transfigurar-se muito denunciadamente numa possível fé que me
dizia, quem sabe, haver de certeza um qualquer esquema para a resolução
de tudo o que me estava a ocorrer. Aqui não conseguia apresentar
qualquer 'realidade' diferente daquela que diante de mim se estabeleceu
sem que eu pudesse intervir contra tal ocorrência. Foi aqui que se
calhar, apesar dos esforços daquela minha aliada, me senti derrotado e,
pela primeiríssima vez, sem qualquer saída de que gostasse.
Sentia-me abandonado, perdido e sem ninguém. As pessoas deixadas sós
normalmente têm quem culpar, mas eu não tinha. Não sabia quem me havia
deixado ao abandono, nem se havia solução para aquela triste realidade
sem razão de ser. E assim, com cerca de quinze anos de idade, começou a
minha independência muito forçada sobre a qual os meus pais nada podiam
fazer - e eu muito menos ainda. Esta independência só viria a
destronar-se quando acabei por encontrar o Algo mais da vida - aquilo
que eu encontrei destrona qualquer tipo de independência por completo,
sob pena de se perder a Vida que tal ocorrência muito graciosamente
fornece se não nos tornarmos inteiramente e plenamente e sem quaisquer
reservas dependentes da mesma Vida que é e sempre faz por ser - "Eu
sou", disse a Vida a Moisés - e convenhamos que o que é bom para ele,
não deixará nunca de ser igualmente bom para todos.
As primeiras pessoas no entanto a tentarem-nos "converter" foram
testemunhas de Jeová. É bastante comum que assim que alguém se propõe ou
apenas deseja buscar alguma verdade, mesmo inconscientemente, aparecem
logo "turistas bíblicos" a desviar quem possa poder descobrir algo
daquela Verdade que, por muito ou pouca que esta seja, transforma vidas.
Achei no entanto estranho que, alguns amigos que entretanto fizéramos e
que se diziam amar e crer em Deus, os desprezassem publicamente em sinal
de repúdio pelas suas doutrinas adversas à fé cristã; achei esquisito
alguém que crê em Deus não aceitar quem d'Ele fala. Na minha mente de
criança pensava que Deus era Deus e não entendia muito bem o que ali se
desenrolava, visto que me falavam de Quem eu gostaria de ouvir, nem que
fosse apenas para Lhe colocar umas quantas questões (continuei sem
perceber isso por muito tempo). Mas a simplicidade com que eu buscava
Deus em pessoa, revelou-se perseverante durante muitos e longos anos,
revelando-se também uma das chaves do Grande Segredo que ainda hoje e
infelizmente, nem os mais entendidos conseguem desvendar - e ainda bem.
Também se mostrou muito oportuna esta pouco elaborada e estranha busca
de Deus sem conceitos preestabelecidos, devido à inutilidade dos mesmos.
Se os possuísse, estaria a debatê-los e defendê-los e decerto que assim
estaria muito mais longe de encontrar cara a cara Quem me criou. Hoje
afirmo convictamente que quem quiser ver Deus frente a frente terá
necessariamente de perder todo e qualquer preconceito, sejam estes
religiosos ou não! A religião, seja esta qual for, opera tanto aberta
como subtilmente contra qualquer pequeno conhecimento real de Deus!
Foi neste estado de espírito que acabei por ir para longe dos meus pais e
da restante família. A resposta àquela dúbia situação seria que ia para
ser tratado e acompanhado por quem, pensávamos, poderia ter algo a dizer
sobre aquilo que me assolava fisicamente. Para além disso frequentaria
uma escola para me formar, diziam os adultos em forma de consolação. Mal
eu sabia que seria uma separação familiar bastante longa e que para mim,
me pareceria infinitamente mais do que aquilo que realmente foi. Acabei
por ter de ser submetido a variadíssimas cirurgias à coluna (quatro se
não me falha a memória), cirurgias essas que muitas vezes duravam umas
boas oito horas sob anestesia e das quais levava uma semana ou mais a
despertar lucidamente. Também às pernas e às ancas fui submetido a todo
o género de cortes e cirurgias e passava todas as férias, (as únicas
alturas em que podia visitar a família se estes tivessem dinheiro para
me proporcionar as respectivas viagens), em hospitais ortopédicos para
que pudessem corrigir muitos defeitos ósseos que desenvolvera. Passado
mais algum tempo, depois de ter ido para esta escola especial que até um
hospital próprio tinha, o meu pai teve de sair do país. Veio para
Portugal e eu fiquei por lá. A minha mãe e irmãos seguiram-lhe as
pisadas e deparei-me perante um facto dolorosamente incontornável:
dificilmente tornaria a ver os meus familiares. Os milhares de
quilómetros que até ali nos separavam, nada seriam comparados com a
triste realidade que me fez entristecer ainda mais. Para mim, estar mais
um dia sem vê-los era extremamente difícil - imagine-se agora ter uma
ampla e inquestionável visão daquela impossibilidade de nunca mais poder
tornar a ver os meus familiares (coisas da minha aliada que aqui se
inverteu contra mim outra vez). Se já estava longe deles, isto é,
a cerca de três mil quilómetros, imagine-se estar a um continente de
distância. A meu ver isto seria uma distância muito difícil de
suplantar. Porém, a minha imaginação dizia-me também em forma de consolo
que teria de trabalhar muito na escola para poder ser rico e poder ir
visitar os meus pais e irmãos a Portugal, dos quais nem pude ir-me
despedir. Só que até lá havia uma névoa de muitos anos pela frente,
visto apenas haver começado o 10º ano escolar e pelas minhas contas
seriam mais dois anos de escola, três ou quatro de faculdade, um de
trabalho até ganhar o dinheiro que poderia transportar-me àquela Europa
que passou a ser um sonho a partir daquele momento.
Foi isto que me levou a amadurecer ainda muito jovem e a buscar
inconscientemente e desde logo, o algo que a vida nunca fazia por me
dar. Alguns vão para a droga e mais caminhos hajam; eu, no entanto,
apliquei-me nos estudos com mais afinco ainda e tudo o que a minha fiel
aliada me sussurrava, fazia por empreender. Abanava a cabeça ao nada
fazer, porque essa seria a pior das opções. Mas essa aliada não dava
nada de volta e não desvendaria nunca uma simples solução de poder ter
tudo ao mesmo tempo, tanto família como estudos e tratamentos. Pensava
eu que as coisas seriam assim mesmo, que no fundo era o que as pessoas
me faziam crer que Deus era. Parecia que me tirava tudo e não me dava
nada de volta. Afinal, vim a descobrir mais tarde, que me tirava de tudo
para que me pudesse dar tudo melhor ainda. Mas como na altura não
percebia nada do que se passava comigo, não havia maneira de ser
concludente em qualquer explicação sobre tudo o que me ocorria.
Foi principalmente por essa razão que não me dava um momento de sossego
interior, se é que tal coisa existia mesmo! Não havia nada que me
tirasse o alvo de diante dos olhos de ser o melhor em tudo - temia pela
vida. Eu achava que a única maneira de me desforrar dela (da vida),
seria exceder-me em tudo. Discriminava então quem fosse preguiçoso e que
tivesse outros defeitos tais, o que no fundo, não deixava de ser um
julgamento simulado por serem precisamente estas as coisas que nunca
quereria para mim, pois era daquelas coisas que eu consideraria as
ameaças mais volúveis à minha prematura forma desequilibrada de
sobrevivência que já me fugia. Eu via os meus piores defeitos e temores
reflectidos sempre nos outros e será por esta razão que a Bíblia diz
"ficas sem desculpa quando julgas ó homem, quem quer que sejas, porque
te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro" (Rom.2:1) e também
"com o juízo com que julgardes, sereis julgados e com a medida com que
medirdes vos hão-de medir a vós". Entendia, no entanto, que a vida não
me iria dar quaisquer tréguas e a dor da separação da família levou-me a
limites muito próximos daquilo que podia fazer, tanto humana como
intelectualmente. Mas nada me satisfazia - julgando os outros ou não,
lutando ou não: nada me fazia esquecer que não passava de mais um ser
perdido no meio dum infinito mundo que eu não ajudara a criar. Mas temia
olhar para cima para não ter de me sentir mais miserável ainda. Temia
poder vir a depositar esperança em quem não existia, ou não ouvia se
existisse. Parecia que flutuava numa vida perdida ora com ora sem nexo e
se não fosse uma réstia de esperança na angústia, teria por certo
sucumbido ao som duma contínua dor de espírito. As suas poderosas
cornetas tocavam uma tristonha melodia de morte contra as quais nunca
conseguiria responder, mas as quais também nunca me chegariam a matar ou
a fazer sequer pensar em morte.
Sentia-me morto e sem vida e daí a buscar vida foi um pequeno passo.
Pensava que como já havia perdido tudo mesmo, então nada mais que pensar
que pudesse existir alguma surpresa escondida no meu já de si inseguro
futuro. Hoje sinto que fui um privilegiado no meio de toda esta dolorosa
angústia, porque por certo tive uma oportunidade única de sentir na pele
aquilo que de facto se passa com qualquer ser humano afastado de Deus.
Enquanto se tem algo que nos satisfaça, não fazemos por ser
responsavelmente obrigados a buscar Quem pensamos não existir. Mas na
altura pensava que tudo o que viesse, mesmo mau, viria acrescentar à
falta, pois nada mais havia que a falta de mim pudesse despojar. A minha
casa seria daquelas que já não necessitavam de trancas à porta depois de
roubadas - já não havia nada mais para roubar mesmo! Muitos estão
sonâmbulos e desajeitadamente adormecidos na sua dor: eu porém, não
conseguia resistir à única saída possível para um emaranhado impossível
de dor e angústia sem fim. Em mim não foi possível a morte adormecer
realidades tão conclusivas que a 'felicidade' de quem prolifera em bens
e novelas de baixo teor de vida fazem por passar despercebidas,
atenuando assim a possível fome que essas realidades adormecem: de
estarmos seguramente mortos enquanto não encontrarmos Deus cara a cara e
muito intimamente; e as quais fazem desvanecer em complicados imbróglios
de fofocas sem vida e para as quais deixar passar o tempo também não
será solução, seguramente! Porque para muitos a alternativa é deixar
passar o tempo e ver o que acontece. Eu já nem me importava de passar
pela 'normal' vergonha daqueles que pensam em Deus. Só que eu não me
conformava com a minha situação, qualquer que fosse o ângulo do qual
olhasse para ela. Haveria de haver resposta para a vida, fosse ela qual
fosse!
Deixei de fumar - um vício que apanhei ainda com cerca de sete anos de
idade com primos e pessoas mais velhas. Deixei de fazer muita coisa que
considerava ruim e devido à falta de quem me ensinasse a levar uma vida
sã e anti-prejudicial, não consegui no entanto que certas coisas não se
tornassem uma obsessão obsoleta que não me permitiam gozar e desfrutar
de paz interior. O meu pai sempre dissera de modo a que se fizesse
ouvir, que o seu maior desgosto era ver-me fumar. "Ai está pai, agora
vou fazer-te feliz", pensei de onde ele não me poderia ouvir nunca, mas
a imaginação levava o correio pondo-me a ver o meu pai a ficar feliz com
o que fazia e isso lá me alentava. Tentava em forma de esperança
trazer-lhe uma alegria imaginária, visto imaginar constantemente que meu
pai também estaria muito triste lá longe e que ao menos o que fizera o
faria feliz, por haver decapitado um vício em mim contra o qual ele
tanto se esforçara lutando, mas sem sucesso.
Contudo, tudo na vida passara a ser um obstáculo sem sentido para mim. O
sucesso já não era alegre e eu não podia deixar de me sentir inútil e
sem jeito. Assim, perdia-me com facilidade em contornos da verdade e
sentia-me cada vez mais obsoleto e obtuso na vida. Nem a namorada muito
bonita que tive nesta altura me conseguia dar a vida que me faltava
dentro. A alma é que não tinha descanso, mas também não dava muita
atenção aos seus gritos de morte por temer que me levassem a parar para
pensar por uns instantes. Mal sabia eu que este seria o principal câncer
mortal que me levaria em direcção à vida! Nesta altura ainda conseguia,
com algum esforço, silenciar muitos desses gritos com algum virtuosismo
de criança e quase sem saber passara a buscar Deus com uma angustia
descontrolada que passara a não reconhecer abertamente por não ter de
ficar mal visto, nem por mim nem por quem me via viver - isso é que não
podia ser, não fosse alguém pensar que eu estava a desistir da vida e
arranjar uma desculpa qualquer de perdedor! E todos aqueles que buscam
Deus em pessoa são considerados, de uma maneira ou de outra, perdedores.
Imagine-se!
Mas isso ajudou-me a controlar certas angustias e certos sofrimentos
recalcados sob o peso de tudo bem-fazer, porquanto não conhecia Deus e
na ausência daquela plenitude de vida que sempre nos foi prometida e
desde que para essa sarça em fogo vivo nos viremos. Não procurava
solução longe demais daquilo por que passava - só via o que em mim se
desenrolava desenfreadamente. Digamos que já havia olhado para cima e
saído desapontado. Mas descobri que ao olhar para outras possíveis
soluções, nenhuma destas me dava qualquer garantia de Verdade e Vida
também. Nada me dava paz de espírito agora que se esgotara a ultima
força motriz da minha débil existência na terra. (Visto assim de longe
parece obvio que tais atitudes a nada levariam, certamente, mas já
experimentou colocar uma pequena moeda bem perto da menina do olho? Não
tem esta coisa tão minúscula a capacidade conferida por nossa própria
teimosia em encobri-nos o resto do mundo que é e será sempre gigantesco?
Imagine agora o que era pôr uma tela com todas as insignificâncias da
minha curta e já defraudada vida diante dos meus pouco iluminados olhos.
A única coisa boa no meio disto tudo, foi que, como não via Deus nem ao
longe, também não encontraria qualquer outra solução para tudo o que me
sucedia até ao dia em que me apercebi mesmo, que solução em nós não
existe mesmo sem Deus. Com Deus, até para a morte existe solução. Foi
por isso que este privilegiado que vos quer transmitir uma mensagem de
Vida em plenitude inigualável nunca teve oportunidade sequer de se
iludir com um qualquer remendo 'novo' em roupa muito velha e mais que
esfarrapada). Estes novos parceiros que escolhera do gueto da minha
angustia não me serviam fielmente também e nada trouxeram de mais mesmo,
sendo estes tão ou mais traiçoeiros para a minha alma que a visão
deixada por aquele padre fumador: a não existência de Deus neste modo de
viver num mundo sem outro provável nexo, era a pior das possíveis
visões. A vida tal qual ela nos é posta a ver, deixa de ter sentido sem
Deus. Até os descendentes dos macacos - os 'cientistas' - não arranjam
explicações para todo este panorama, pois, a única coisa que demonstram
é a sua tendência para a irracionalidade que querem que seja a única
herança deles. Eu não me sinto descendente de macaco. A 'inteligência'
destes seres que me querem convencer que virarei cinzas para entrar no
ciclo normal da natureza, mostram que a única coisa que possuem com a
qual se podem assemelhar a macacos, é a maneira como reflectem sobre as
coisas. De facto, não são lá muito inteligentes!
O mundo nada mais me podia oferecer a não ser aquilo que nele existe - o
que para mim já não bastava. Algo mais haveria de haver para além do que
via. Todos os conselhos que me haviam dado para o bem ou para o mal, só
me conseguiam transportar até onde os outros seres humanos se
encontravam a vaguear infrutiferamente, diga-se de passagem! Por muito
que tentasse fazer e cumprir aquilo que achava que devia no mínimo a mim
mesmo, não encontrava solução para o descontrolo e rebentamento do
ridículo estado emocional em que me encontrava - eram areias movediças
das quais eu nunca conseguiria sair até ao dia em que encontrei a
Verdade e a Vida, porque continuava sempre a haver muitas brechas nas
fendas que eu tentava concertar a qualquer custo com aquela ajuda
rudimentar e primitiva, a qual só os humanos pensam ser a solução ideal
e da qual passara a dispor, pensando estar também ao meu alcance.
Por seu turno, a vida e a morte tornaram-se enigmas tão paradoxais para
mim que já não entendia mais nada mesmo. Viver (só) para morrer já era
mau, agora imagine-se o que seria viver mal e sofridamente, tentar
restabelecer sem qualquer sucesso o que a dor levava constantemente e
mesmo assim ter de vir a morrer um dia qualquer! Um caixão frio
servia-me de única recompensa para todo esforço e tristeza! Que ridículo
era tudo aquilo! Eu era jovem, mas sabia que de nada valia todo aquele
esforço brutal de regeneração e reparação audazes de fendas e sulcos
fundos demais para a precária habilidade de que dispunha na altura.
Quando acabasse de lutar - se saísse vencedor desta luta - teria de
prestar contas da minha vida ao entrar num caixão vazio e sem paga para
tudo o que tentara alcançar. Se a morte não tivesse qualquer
significado, enfim, a vida perderia o seu valor, porque não deixaria de
se tornar absurda se o galardão de todo aquele esforço infrutífero fosse
o ter de ir para uma cova funda e desconhecida. Qual seria o sentido da
vida afinal?
Foi por esta altura que o director da minha escola faleceu. Comecei a
pensar que não valeria a pena o esforço e as forças interiores
despendidas nesta já longa caminhada que era a minha jovem vida, pois
toda a motivação que me levou a patamares inquestionáveis de
sobrevivência, ia falhando redondamente. Com dezassete ou dezoito anos
apenas era um adulto fora de tempo, um farrapo que só podia dar uma
palavra em forma de conselho a quem já houvesse vivido muitos mais anos
do que eu. Eu cresci tanto que os adultos preocupavam-se em inquirir-me
sobre os seus próprios problemas. Mas como era jovem e tenro, destoava
tanto deles como dos meus colegas e companheiros porque sentia que não
fazia parte nem do mundo dos grandes nem dos pequenos. Transformara-me
em alguém que já fazia perguntas e afirmações fora de tempo, tais que
nem os adultos se atreveriam a fazer, sem no entanto deixar de ser uma
jovem criatura.
E assim apeguei-me muito rudimentarmente à única solução que achei ser
indispensável à busca de qualquer verdade: ser sincero comigo mesmo - a
minha mais recente parceira e aliada. Mas tudo isto a nada levaria a
menos que existisse Deus. Não valia a pena ser fingido e religioso sem
desfrutar realmente das coisas que a Bíblia, que já lia com assiduidade,
prometia. Religiosidade também é idolatria e instintivamente vivia
fugindo dela - não por saber na altura que isso fosse pecado como de
facto o é - o pior de todos os pecados - mas, porque tal nunca me
satisfazia por necessitar de verdades concretas para questões ainda mais
concretas e nunca badaladas de sinos mortos, nem do apoio a uma vida sem
qualquer nexo, com um eixo imaginário que diziam vir a ser Deus que iria
ver só depois de morrer. Isto não fazia muito sentido para mim, sabendo
que era agora e ali que mais precisava d'Ele! Ah, se o encontrasse! Como
não via o que buscava na vida dos religiosos, fugia da mentira e do
engano que as suas vidas me reflectiam. A existir Deus, não fazia muito
sentido vir a vê-Lo só depois da morte, seguramente! Já que havia
tratado da coluna vertebral do meu corpo, porque haveria de deixar agora
o eixo à volta do qual deveria girar o espírito de quem busca verdade,
flutuar perdidamente para mais longe, ficando assim sem saber que rumo
tomar? Se não encontrasse Deus, de que me serviria tornar-me religioso?
Seria só para me tornar menos pecaminoso? Servir-me-ia isso para algo?
Se assim fosse, temeria vir a descobrir que Deus não existia como não
existia na vida de quem me pregava da Bíblia. Mas vivendo de realidade e
em clara sintonia com o que pudesse vir a ser verdade, destronaria, por
outro lado, mais uma ilusão à qual me pudesse apegar de novo e de forma
inconscientemente irresponsável! Pois, achei que mesmo assim, se Deus
não existisse, seria bom descobrir se tal era verdade porque assim não
me iludiria mais com essa profunda capacidade de esperar que possuía
dentro de mim e que ia mantendo viva uma ligeira esperança em poder
vê-Lo como Ele é e nunca como queriam que Ele fosse - só para lhes poder
agradar!
E graças a Deus que este foi um temor que passou a ser enfrentado
frontalmente e confrontado muito pessoalmente, porque se Ele não
existisse, enfim, nada mais faria sentido. Existindo Ele, porém, já tudo
faria muito sentido e viver nem que fosse para encontrá-Lo apenas, já
valeria a pena! (Esta foi uma época muito confusa para mim e como a
minha memória não consegue desfazer tudo o que o meu pesar não foi capaz
de manter em lembrança viva, tentarei mesmo assim auscultar e
transcrever tudo dentro daquilo que agora penso haver ocorrido. Como se
devem ter apercebido, faço algum esforço para tentar descrever
minimamente o que comigo se passou, sem adulterar verdades, visto eu não
estar na altura com capacidades de qualquer ordem para conseguir
descrever ou sequer tentar alinhavar em palavras o que quer que fosse
que se desenrolava dentro de mim. Hoje posso desenrolar o livro e lê-lo
devidamente).
Mas sem saber vivia as coisas de maneira tal que nunca conseguia objectar
sequer contra a existência de Deus - e isto revelou-se vir a ser
determinante para a busca daquilo que seguramente encontrei sem
quaisquer margens para dúvidas. Por esta razão a Bíblia também nos diz
que "é necessário que (todo) aquele que se aproxima de Deus creia que
Ele existe" e se tal for feito sem fingimentos de qualquer ordem "Ele é
galardoador dos que assim O buscam". Será ofensa sim, fingir que Deus
existe e começar assim a ser religioso, tal como será arranjar um bocado
de pedra para adorar numa igreja qualquer. Sendo Deus vivo e verdadeiro,
para quê tais praticas? Eu assumia isto instintivamente no entanto,
porque nunca ninguém me havia dito que Deus odeia religião por esta
estar sempre a querer elevar-se como um substituto barato da essência da
vida. Para mim era um facto assumido que Ele existia e que muito
dificilmente o veria em qualquer igreja que conhecia na altura - e ainda
bem que assim foi, pois todos os religiosos me consideravam um rebelde
contra o que eles chamavam a "graça de Deus". Mas que dizer da realidade
de Ele não aparecer para me esclarecer algumas coisas? 'Mestre, onde
habitas Tu?' Se não estás na igreja, nem no mundo das minhas muitas e
exaustivas soluções e querendo-te real como um verdadeiro Deus que assim
se apraz ser para todos, como e onde encontrar-Te então?
Lembro-me de uma passagem Bíblica onde os discípulos perguntaram a Cristo
quando O viram pelas primeiras vezes, "onde habitas tu ó Mestre" e Ele
disse "venham e verão, as raposas têm o seu covil mas o Filho do Homem
não tem onde assentar a Sua cabeça". Só que a mim isso de ir e ver nunca
me havia sido sugerido sequer por Quem eu dizia com muita fervura ter de
existir de facto, muito provavelmente porque O buscava somente onde
pudesse recostar-me descansadamente e onde por certo não o encontraria.
Como eu buscava descanso de espírito naquela vida já causticamente muito
materializada pelos muitos temores em forma de tristeza desesperada e
agonizante, as quais me assolavam noite e dia, não pude sequer parar
para suspeitar sequer que tal esforço pudesse vir a ser inútil e, de
algum modo, infrutífero para as minhas aspirações mais íntimas. E ainda
bem que assim foi, pois não me dei conta de alguma vez questionar a
existência de Deus abertamente, pois o estado de espírito em que me
encontrava favoreceria tais duvidas em muito se a tal crime me viesse a
entregar por desfalecimento profundo. Estranho é que Quem criou o mundo
não tivesse sequer onde pousar a sua canseira quando resolveu passar
pelo mundo que criou - onde o mundo chegou! Foi por esta razão, se
calhar, que pude manter em mim a esperança em chama viva. Mesmo assim lá
fui intercaladamente vivendo desajustado e estudando muito, tirando boas
notas por querer ingressar numa universidade e estudar engenharia de
computação e programação.
Poderia também rejeitar completamente a existência de Deus, bastando para
isso aceitar apenas que a religiosidade fosse de facto o tal mistério da
vida. É o que muitos fazem, pois ninguém à minha volta vivia o que eu
lia na Bíblia. A ser assim, seria aceitável optar pela não existência de
Quem de facto existe! Mas como não é, nem nunca será, verdade tudo o que
os homens possam afirmar de Quem nunca viram, tive de me confrontar com
o facto de que são precisamente os religiosos que crucificam Quem os
quererá salvar. A partir desse ponto de vista seria fácil concluir que
Deus existe, nem que fosse só para os humilhar naquela sua arrogância
predeterminada que destrói abusivamente a partir das suas igrejas, agora
feitas autênticos palacetes, toda e qualquer realidade sobre Ele por
ser precisamente lá onde qualquer pessoa pensaria poder encontrá-Lo!
Deparando-me perante fingimentos de fé que actuam só por veemência e
esforço contra uma boa consciência, mesmo não sabendo na altura expor o
erro, todos sentirão lá a falta de Verdade que se quer divinal, mesmo os
que lá nascem e morrem passando todo o seu tempo de vida a enganarem-se.
O apóstolo Paulo escreveu dizendo: "Mas o Espírito expressamente diz que
nos últimos tempos muitos se apostarão da fé, dando ouvidos de espíritos
enganadores e a doutrinas de demónios pela hipocrisia de homens amantes
de si mesmos que falam mentiras, tendo cauterizada a sua própria
consciência, proibindo o casamento e ordenando a abstinência dos
manjares que Deus criou a fim de usarem deles com acções de graças".
Isto revela uma verdade desconcertante sobre aquilo que as pessoas fazem
à própria consciência para manterem a sua dita fé!
Cabe-me aqui fazer um reparo que me assistirá em mostrar com mais alguma
destreza uma pré-condição para se poder encontrar Deus de maneira real e
verdadeira, estabelecida desde há longa data, isto é, desde a criação do
mundo, para que nunca ninguém necessite sequer de fingir que Ele é.
Muitos tentam amarrar quem quer que seja a uma qualquer religião ou
religiosidade muito ou pouco profana, ou mesmo mais ou menos idólatra,
para que as ovelhas não venham a apascentar-se nas cercanias dos únicos
ribeiros de água viva onde também haverá seguramente pastos bastante
verdejantes que em Deus sempre proliferarão abundantemente. É mesmo
necessário nas circunstâncias actuais, despedirmo-nos de todo e qualquer
fingimento religioso para podermos vir a ver Deus - é uma exigência
d'Ele por ser real e verdadeiro. Com isto quero dizer que não será nunca
através do culto que O encontraremos, mas sim através dum coração que
faça por buscá-Lo incessantemente na pureza só existente na ausência de
fingimento que força sempre e só para o que gostaríamos que fosse
verdade. Nunca vi um religioso que não se fizesse sempre passar por
detentor de toda a verdade.
Ora isso é arrogância e não verdade visível e actuante. Não será o padre
ou o pastor que nos levará ao conhecimento profundo e real de Quem nos
criou, mas sim o Próprio - terá de ser o Próprio. Quem não é capaz de
nos levar a conhecê-Lo pessoalmente, é lobo vestido de ovelha! É
fantasma! Por essa razão Cristo disse e bem "Eu sou o caminho, a verdade
e a vida; ninguém (ninguém mesmo!) vem ao Pai senão por mim". O acender
de velas, o muito ou o pouco sacrificar, o muito benzer e mesmo ser
benzido, por muitas mais coisas que se possam fazer, nunca terão outro
efeito que não o igual aos que a mim mesmo, humana e constantemente, fui
tentando em forma de luta. As pessoas em vez de falar com Deus rezam; em
vez de encontrarem, pensam que são; em vez de receberem respostas
concretas, contentam-se com o acreditar levianamente que já as têm (é
muito mais fácil e conveniente!), ou que serão os donos das mesmas,
porque será mais fácil e mais aprazível benzer-se de vez em quando do
que ousar decapitar tais práticas em favor da realidade que, sem
qualquer margem de dúvida, lhes tirará toda e qualquer proeminência;
será porque estas verdades vêm desmanchar o que ainda nos autoriza a
leviandade que não as aceitamos com facilidade? É mais fácil prender as
pessoas numa doutrina porque quem prega encontra-se sempre ávido por
dominar em vez de trazer o verdadeiro conhecimento de Deus às almas
famintas e dispersas pelos beirados destes lobos muitíssimo famintos,
que são quem é religioso e consequentemente profano, embora sem nunca se
reconhecerem como tal. "Mas eis para quem olharei: para o pobre e
abatido de espírito e que treme da Minha palavra". Eles não tremem -
alguns dançam na profanidade!
CAPÍTULO 3
A FACULDADE, AINDA SEM ENCONTRAR QUEM BUSCAVA CADA VEZ COM MAIS CERTEZA
Fui para a universidade numa outra cidade a cerca de 250 km da dos
diamantes. Ali tive amigos e conheci pessoas de muitas classes e de
variantes de vida muito diferenciadas. Sentia que uma nova fase da minha
vida começara. Mas, também não era particularmente o que eu esperara que
fosse, pois as muitas respostas que me faltavam continuavam sem ser
atendidas. Foi então que entrei numa fase em que as coisas se começaram
a desenrolar muito rapidamente, mas ainda sem qualquer conforto à vista.
Parecia que Deus tinha pressa em que eu perdesse qualquer réstia de
falsa esperança que ainda depositava no futuro que aquele bacharelato me
iria proporcionar. O tempo demorou-se muito até ali, mas agora sentia
que só faltavam quatro anos para tudo, enfim, talvez acabar em bem.
Evidenciava ainda no meu dia a dia muito esforço próprio, pensando que
seria capaz de me salvar a mim próprio. Desconhecia que a vida que então
buscava intensamente, destoava e inimizava por completo com a forma de
viver com que eu fazia por empreender aquela (vendo agora!) rudimentar
vida já de si muito precária, pelo menos aquela que ainda se fazia ouvir
em mim. A que eu buscava não se entenderia com qualquer outra. Daí tudo
se desenrolar estranhamente rápido para mim. Também não buscava
propriamente conforto, mas sim verdade, aquela que deveras conforta - e
ainda bem que assim se proporcionou ser também! Não se pode buscar o
conforto que tal vida fornece, mas sim a vida, pois "mais vale a vida
que o sustento" que ela dá, "mais vale o corpo que o vestido", disse
Cristo. Ele lá sabe o que diz.
Todas as condições para se achar Deus iam sendo cabalmente produzidas
pela vida que entretanto começara, embora tudo fosse presenciado muito
inconscientemente. Daí concluir-se que essa Vida é activa e actuante
para bem. Já não depositava qualquer esperança em qualquer ídolo ou
imagem; já deixara de ser fingido e pretensiosamente religioso, ou seja
pretensioso e frequentador de igrejas; sabia que não seria o baptismo ou
uma qualquer reza que me levaria à plenitude de qualquer verdade, pois
sempre que rezei continuei vazio; mais ainda, não pretendia nunca mais
tornar a ser ludibriado. Se Deus existisse, a ideia de pensar que
existiria não seria a tal maneira de me contentar. Se existisse, teria
de encontrá-Lo. Nunca me fartaria dum deleite ou duma possível prova da
Sua existência - isso seria muito menos que insuficiente para mim, pois
já havia lido demais da Bíblia para esperar menos que aquilo que Cristo
prometia sem qualquer hesitação, como sendo algo muito simples até,
simples demais para não ser possível. "Quem Me busca, encontra" - que
palavras mais direccionadas e racionais poderá haver? Teria de me
contentar com o buscar sem encontrar, de me sentir realizado e feliz com
tal ocorrência mais que absurda? Por isso é que eu acho que os
religiosos se tornam absurdos, pois buscam mais, muito mais, do que
aquilo que encontram. Porém, por aquilo que Cristo disse, dever-se-ia
encontrar em iguais proporções tudo aquilo que se busca - nem mais nem
menos. Muitos diziam que encontravam e pulavam feito loucos para se
convencerem que era verdade; outros que não encontraram mas que tinham
fé! De qualquer modo, eram igualmente irracionais aos descendentes de
macacos.
A rotina de sofrimento e busca tornou-se insuportável e nem ir às igrejas
protestantes locais me dava o conforto que eu de certo modo sabia
existir - algures. Eu hoje sei porque Cristo chamou o Espírito Santo de
'o Consolador' que viria depois da Sua ascensão. Mas na altura nada
sabia, nem tão pouco estaria em condições de o saber! Mesmo que
soubesse, não o entenderia. Só que uma das pré-condições que Deus
estabeleceu para encontrá-Lo ainda persistia em não desfazer-se: eu era
egoísta na procura de Quem muito ama.
Por muito que estudasse e lesse a Bíblia, não só por ler mas sim a fim de
tentar desvendar o que ela continha de valor e de preciosidade, de
verdade ou de mentira, fui-me apercebendo e confirmando cada vez mais
instintivamente que religiosidade era muitíssimo enganosa, sendo mesmo
considerado como o inimigo numero um da minha alma. A vida que a Bíblia
prometia era apresentada como agreste e inimiga de qualquer tipo de
religiosidade. Isso fez-me desfazer desde logo e desde aí de todo o tipo
de bruxedo e crença, porque nada do que é verdadeiro e real tinha a
forma daquilo, pois entendia, ainda que muito precariamente, da Bíblia e
as suas verdades. Não era possível contestar qualquer coisa da Bíblia
depois de a entender devidamente. As pessoas que contestam a Bíblia são
só aquelas que não a lêem, porque as outras descobrirão com assiduidade
que Deus existe para além de qualquer possível constatação. Os únicos
que a contestam são aqueles que dela nada entendem! Mas que dizer do
facto mais que evidente que também a verdade não me alcançava ou
alcançaria e assim me confortasse? Pois, quanto mais eu lia, devida e
honestamente, preto no branco, mais me angustiava por O começar a saber
real. Tentava ignorar que daquilo que lia também nada estava a dar certo
comigo, porque senão tudo seria doloroso demais e não saberia muito bem
como enfrentar mais uma desilusão não encontrando Quem era verdadeiro,
pois ainda não havia acertado qualquer passo com uma ínfima parte da
verdade - não via como! Sabia que a verdade existia, mas não acertava os
meus passos com ela. A nível de conhecimento sim, posso dizer que me
empreguei no estudo da Bíblia com fervor de estudante mesmo, daqueles
que vão a exame no dia a seguir. Só não queria era ser influenciado na
sua interpretação, pois Cristo disse "naquele dia sabereis tudo, pois
sereis ensinados por Deus". Mas, quanto mais lia, mais insatisfeito me
sentia, porque as promessas eram concretas demais para serem enganosas.
A Bíblia fala em ver Deus, em descobrir Deus como se fosse um facto
assumido acima de qualquer engano, pois era concreto demais. Decidi
então que religião e religiosidade para mim acabariam de vez mesmo:
teria de encontrar Deus cara a cara nem que para isso corresse o risco
de vir a ser fulminado. Ou as coisas eram ou então deixavam de ser de
vez! Se houvesse uma lixeira do tamanho do mundo para poder conter toda
e qualquer hipocrisia dos pretensiosos e religiosos, era para lá que
indicava quem me viesse bater à porta para me converter a uma qualquer
doutrina! Ou Deus em pessoa ou nada!
Havia muitos acampamentos de jovens universitários promovidos pelas
igrejas que frequentávamos. Eu aproveitava então para tentar conversar
com os pastores das mesmas, ali e agora informais e sem poderem recorrer
ao formalismo dos seus púlpitos que eu passara inconscientemente a
desprezar abertamente. Gostava que fosse possível que mesmo através da
sua hipocrisia me esclarecessem todos os pormenores, para mim ainda
obscuros, da sua fé que ainda não era a minha e os quais a minha mente
estaria na disposição de aceitar só em forma de verdade viva e real,
tentando excluir-me assim daquela que já possuía durante algum tempo,
tempo demais até! Era-me um sufoco viver na e da mentira! Mas sentia que
pedia a um cego para guiar outro mais cego ainda e não fosse não haver
buracos fundos por ali, teríamos certamente caído juntos em algum - e
alguém em cima de mim!
Por isso, tentando não deixar-me enganar, ia sobrevivendo. Enquanto
conseguia culpar os religiosos, tinha ânimo, pois pensava que Deus
haveria de ser real e verdadeiro. Os líderes das igrejas locais davam-me
sempre inúmeras sugestões, mas cheguei sempre à terrível e triste
conclusão que eles não possuíam O que eu buscava - coisa que também e
por muito pouco não me fez voltar as costas a tudo o que se dizia de
Cristo e da Sua verdadeira, incomparável e gloriosa salvação. Diziam-me
para 'aceitar Cristo como meu salvador' como se tal fosse a solução
magica, que deveras deveria ser. Nada resultava e então era acusado de
falta de fé ou de ser obstinado e irreverente contra aquilo que, agora
sei, eram simples explicações sobre a verdade e não a verdade em Pessoa.
Tinha um colega de quarto nessa faculdade que era estudante de teologia
mas que vivia uma vida mundana tal que, achei que haveria de haver Deus
nem que fosse só para castigá-lo. Opunha-me a ele frequentemente e
dizia-lhe sem meias palavras que ele estudava o que se dizia de Deus
enquanto ia abastecer-se ao diabo mais que de vez em quando, sem
qualquer reserva ou vergonha sequer, o que agravava em muito as coisas e
o meu sentir contra as igrejas. Deus permitiu que eu pudesse ver através
dele e de outros que mais, concluindo aquilo que não gostaria de
concluir - seria muito mais fácil angariar fundos e esforços para
descobrir a verdade do que permanecer na mentira vestida com vestimentas
de imperfeição. Os palhaços é que se vestem de roupas rotas. Agora sei
porque é que as madres se vestem de branco: é apenas para se enganarem
melhor a elas próprias. Nesta fase comecei a amargurar-me de tudo o que
me rodeava e pensava que muito dificilmente alguém me poderia mostrar o
Caminho, a Verdade e a Vida, a menos que fosse eu a encontrar
pessoalmente. Não se podia extrair leite duma burra seca.
No meio disto tudo fui cumprindo inconscientemente todas as condições
necessárias para me salvar da vida que tinha e possuía. Sabia
instintivamente que tudo teria de resumir-se a um encontro pessoal com
Quem me criou, sem qualquer intervenção religiosa, sem qualquer
fingimento, sem a ajuda de uma qualquer crença. Isto é uma coisa difícil
de conceber, humanamente falando está claro, mas no fundo, é
precisamente o que Deus exige de todos nós. Ele é real demais para
desejar algo diferente, mais fingido! Ninguém pode dar-se ao luxo de
fugir a esta responsabilidade, ignorando abertamente Quem existe e é
Sumo Criador de tudo. Tudo aquilo que não for real, é idólatra e
pecaminoso! Agora entendo porque é que o apóstolo João escreveu,
"filhinhos, abstei-vos dos ídolos"! Existe muita idolatria invisível!
Continuei a estudar e comecei a pensar infelicidade, a comer angustia e a
mastigar o pesar que me assolava incessantemente e que sentia que seria
por estar a estudar o que não devia, pois já não podia resvalar na ideia
de não existir Quem me criou, não sei por que razão. Fiz testes e mais
testes psicológicos e psicotécnicos, os quais dariam muitas mais
hipóteses de estudo do que todas as que eu via nos meus horizontes já
pálidos e sem espírito. Os psicólogos que me consultavam abismavam-se
com a minha franqueza na vivência das coisas que me rodeavam. Cheguei a
ser levado às suas consultas para lhes poder dar o alento que eles
próprios não tinha. Parecia um doente a ter de ir ao consultório do
médico para curá-lo de males piores que os meus. Havia uma psicóloga,
recém-formada da própria faculdade, que marcava-me testes psicotécnicos
só para poder conversar e estar comigo. Eu mostrava na prática aquilo
que eles gostavam de poder entender pelos livros, os quais nada demais
lhes davam senão emprego e um salário seguro no fim do mês! Está claro
que queriam fazer de mim um rato de laboratório, mas logo desistiam
porque eu nunca conseguiria corresponder aos seus muitos anseios.
A frieza e destreza com a qual eu encarava a vida fazia as pessoas
gostarem de mim, principalmente os mais adultos, tratando-me como seus
iguais mesmo estando eu em cadeira de rodas. Eu nada tinha, mas estes
inertes seres feitos de ajudantes doutorados pensavam que eu possuiria
muito mais do que eles, razão pela qual quereriam desvendar o misterioso
ser que diante deles parecia conseguir vencer qualquer obstáculo
inultrapassável - isto na sua mera perspectiva e por certo na que eu
dava a entender por não querer ser visto como alguém que fazia caso do
facto de ser deficiente, isto é, depois daquela primeira fase de
adaptação a uma nova realidade aos dez anos de tenra idade. Crescera
muito rapidamente e transformara-me num adulto precoce e nada na vida me
surpreendia já - nem o engano nem a verdade, nem o bem nem o mal. Bem, a
Verdade veio surpreender-me estrondosamente mais tarde, diga-se desde
já, porque não é aquilo que eu esperava que fosse. Por essa razão,
provocava uma admiração tal em quem me viesse a conhecer que a mim
próprio me surpreendia. Também não entendia lá muito bem o que é que as
pessoas viam em mim que tanto as incitava a viver. Eu era um lutador
nato e talvez isso inspirasse muitos, mas o meu interior nada obtinha
com essas ondas de admiradores e admiradoras que me questionavam sempre
como conseguia ser tão lesto e clarividente no meio duma vida que
consideravam muito difícil e implacável. Parecia ser um o tal rato mesmo
especial para os seus laboratórios de curiosidade, que andava cá fora e
que queriam a qualquer custo interrogar sobre qual seria o alimento que
o sustinha. Nem eu sabia que era esperança!
Foi assim também que descobri que os pastores de igreja, que conheciam a
Bíblia de ponta a ponta, tentavam inquirir-me sobre a força de vida que
eu evidenciava mesmo quando os confrontava. Se eu me sentia seco e
morto, imagine-se em que estado estaria aquela burra que queria o que eu
tinha! Como possuía uma esperança que eles só conheciam através da
leitura da Bíblia, inquiriam-me muito sobre muita coisa. O formidável
disso tudo foi que eu me sentia muito diferente daquilo que diziam ver
em mim - e de facto assim era, pois esperança de vida nunca será vida.
Foi principalmente por esta razão que logo vi que se houvesse alguém que
me pudesse ajudar teria de ser Deus em pessoa, porque os que me cercavam
estavam em piores condições do que eu, pois mendigavam a um mendigo que
lhes desse de comer! Admiravam-me pela luta que dava à vida e à morte,
mas não viam que lutar só por lutar é um ofício deveras infrutífero!
Sapateiro que bate em pedra não arranja calçado! Se eu estava tão mal e
aflito e se estas pessoas que deveriam ser os seres que deveriam poder
dar as tais respostas à tristeza e angustia de espírito de quem busca,
porque razão estariam a enroscar-se a mim para comerem do pão que me
deixava inerte e a passar fome? Achei então que a única solução seria
mesmo olhar para cima porque, cá em baixo, estava tudo pior do que eu
esperava que estivesse! As trevas cobriam a face da terra! Embora fosse
um sobrevivente num deserto muito mais árido do que aquilo que desejaria
que fosse, de nada me servia tal destreza em lutar contra uma maré de
poeira cegadora de bons horizontes e dos belos pastos que só existiam em
forma de promessas Bíblicas. Nunca se habitue a viver em qualquer
deserto, caro leitor, mais sabendo que nos prometeram "pastos
verdejantes"! Por essa razão será sempre crime rastejar na vida
existindo um Deus tão perto do seu coração para poder elevá-lo ao sétimo
céu!
Porém, a lisonja que sentia da parte dos homens em quererem-me fazer
sentir um seu herói à força, manifestou vir a ser uma pedra de tropeço
de enormes dimensões para mim. Eram uma anestesia para uma dor que eu
queria curar e não adormecer! Não vamos começar a pensar também que os
elogios dos outros, como as mulheres dos outros, são aquela tal terra
prometida, porque decerto nunca o poderão vir a ser. Por essa razão diz
a Bíblia, uma vez mais, "o homem que lisonjeia a seu próximo arma uma
rede aos seus passos". E porque será assim? Porque a língua que
lisonjeia tem plenos poderes para nos fazer sentir satisfeitos em plena
fome, alimentando-nos daquilo que nunca foi comida para uma alma
esfomeada mesmo! É por essa razão que muitos pensam que aparecer na
televisão é vida em pleno progresso!
Um dos médicos que me tratou durante quase todas as cirurgias, tornou-se
para mim um pai que eu já há muito não tinha. A minha calma no
sofrimento e no encarar as muitas penosas cirurgias para além das outras
coisas que todos sabiam, provocaram um tal espanto neste homem que ele
se resolveu levar-me para sua casa de vez em quando e ajudar-me a pagar
a fortuna que eram os meus estudos na faculdade. Era seu convidado a
viver durante longos períodos em sua casa como se fosse minha, até lhe
ter dito que buscava Deus. Aí as coisas complicaram-se para o meu lado,
mesmo sendo este prodigioso homem da ciência um assíduo assistente
domingueiro da igreja protestante local. Vá-se lá entender uma coisa
destas: alguém ir à igreja, ouvir e ler da Bíblia e não aceitar Deus! Ao
que o mundo chegou! Estaria em melhor posição que muitos para averiguar
verdades, sendo inteligente e intransigente. Mas não, era contra a
possibilidade de poder haver vida para além do visível e 'aceitável'.
Comecei a ouvir falar dos movimentos carismáticos que entretanto se
começaram a propagar pelo mundo fora. Outra peste, porque se a ausência
de vida real não me convencia, muito menos me convenceria uma 'vida'
ilícita e cheia de lacunas pela sua leviandade para com a Palavra de
Deus. Uns, onde andava, diziam-me muito formalmente para crer só, mas
estes diziam-me para fazer o mesmo, só que com mais algazarra possível!
Se a falta de vida não me movia nunca, muito menos o conseguiria uma
imitação da mesma por muito ficcionada que se revele esta alucinante e
alegórica e muito grande mentira! Sei que tentar imitar Vida sem
conseguir tê-La de facto e na abundância prometida e carimbada na cruz
do Calvário, é nada mais que prevaricar contra a verdade de Deus! Foi
então que comecei a perceber que o que uns não tinham de uma maneira, os
outros também não teriam de outra, se uns estavam deste lado do caminho,
os outros estariam do outro - mas no caminho mesmo, nem uns nem outros
porque era estreito demais para ser desejado. Mas saber isso também não
dava qualquer resposta ao vazio constante e vivente que em mim começava
a tomar proporções inconscientes de desespero. Criticá-los e
persegui-los acabou por não ser a tal solução também! Recebê-los também
não!
Esgotado que estava no estado de busca e sede insaciável em que me
encontrava, toda a seiva ainda existente em mim dava sinais agudos de
estar rapidamente a esgotar-se. Já não restava muito óleo na fútil
lamparina com a qual me tentava iluminar para tudo o que era questão.
Foi então que misericordiosamente e intuitivamente senti uma voz de
chamamento para uma vida que levasse Deus às pessoas que não o
conheciam. Mas não sei explicar o que ocorreu, ou como tal sucedeu,
estando eu em trevas absolutas se comparar a vida de então com aquela
que tenho hoje. O meu primeiro impulso de obediência foi deixar o meu
curso a meio e seguir outro de teologia na Igreja Reformada
Sul-Africana. Estudei durante algum tempo numa outra universidade, em
Pretória, e cheguei a aprender um pouco de Hebraico e Grego antigos, as
línguas originais nas quais a Bíblia foi escrita. Frequentei com algum
desinteresse as muitas outras cadeiras de arqueologia Bíblica,
psicologia e muitas mais que pretendiam tomar o lugar do profundo
conhecimento que buscava de Deus. Como nunca aceitei que tudo aquilo
seria a formação ideal para quem só queria viver com e perto daquele
Deus Omnipotente que criou o mundo inteiro e Quem eu ainda não tivera
ainda sequer o privilégio de começar a conhecer pessoalmente em tanto
tempo de vida já, tempo esse que comecei a pensar estar a desperdiçar
definitivamente, perguntei a Deus qual seria a Sua vontade para a minha
vida. Não obtive resposta categórica, mas instintivamente afastei-me
daquele berço dourado da teologia que não reconhece Deus nas suas
vivências, porque quem fala de Deus muito dificilmente fala com Ele a
não ser de forma muito dissimulada e unilateral. Descobri que qualquer
pessoa pode falar ao telefone sem ninguém a responder do outro lado. E
daí a pensar que crer é precisamente pensar que se é ouvido mesmo sem o
auscultador na outra ponta chegar a ser levantado, vai-se tornando
possível porque as pessoas desejam tanto manifestar ter 'razão' nas suas
crenças, principalmente se estas agora se podem basear na Bíblia!
Torna-se mais atractivo ter-se mais algum fundamento que não apenas
mentiras descaradas, para assim nos gloriarmos ainda mais e melhor sobre
os outros que passam a ser para sempre os inimigos da fé! É o caso das
testemunhas de Jeová, Católicos, Protestantes e mais haja, pois uns
serão sempre mais concisos em verdade que outros, o que também seria de
esperar! Há burros que falam menos e mais que outros para se fazerem
ouvir à sua maneira - uns falando menos, outros gritando mais.
É um facto assumido que Deus até pode falar pela pequena boca de
criancinhas (e por burros!) e essa conclusão começou a agoniar-me
incessantemente, levando-me ao ponto do inconformidade e da
desconsolação dum desespero total. Sentia-me como um peixe fora de água,
daqueles que respiram fora do seu ambiente natural e também não entendia
muito bem porquê. Por vezes sentia-me como uma ave envolta em maciço
crude e que por essa razão não poderia voar nunca. Ouvia falar do pecado
original como sendo a única causa daquela angústia de não poder ver Deus
mesmo de forma invisível. Eu por outro lado sentia que nascera tal ave
num mundo cheio de denso crude ao qual todas as outras aves se haviam
adaptado, pensando e acreditando mesmo não ser possível nem aconselhável
sequer tentar voar. Sentia que algo estaria errado se não pudesse vir a
voar ali e agora, mesmo antes de morrer. Uma ave tem de poder voar, se
não for anormal! Não fomos nós todos criados à imagem de Deus?
Via muitos dos que comigo estudavam teologia a viverem vidas profanas -
alguns chegavam mesmo a fazer vida conjugal com suas namoradas sem
estarem casados - e eu perguntava-me se era aquilo que Deus alguma vez
abençoaria! Se já não aceitava que o mundo o fizesse, imagine-se aceitar
tal coisa em quem fala de moralidade para poder fazer tudo aquilo que
lhe apetece! São os do mundo que matam e violam - mas os crimes mais
horrendos são salvaguardados pela religião! Deixei de estudar e comecei
a trabalhar a tempo inteiro até que Deus me desse mais clareza sobre o
que de mim pretendia - se Ele me respondesse ou existisse. Entretanto,
esta guerra paralela que sempre tive com as igrejas em busca de Deus
interiormente por não aceitar que verdade fosse apenas e tão só certas
verdades apenas faladas, era incessante e não se apaziguava com qualquer
explicação por mais verdadeira que fosse e que cada dia se
intensificava, tornando-se pior a cada momento que passava. Não
conseguia aceitar que Deus não fosse realmente vivo, porque se Deus
condena a hipocrisia, por certo o fará por uma razão verdadeiramente
válida. Aprendera e confirmara no entanto que encontrar Deus e
satisfazer a enorme sede que quase me sufocava, teria de ser
pessoalmente, pois não sabia como encontrar quem me pudesse ajudar,
porque tentar nadar naquelas águas já de si gélidas, estando estas
profanadas de espesso e negro crude também, seria impossível quanto mais
aconselhável! Eu sentia que havia sido criado para voar bem alto e as
palavras "se Eu vos libertar sereis verdadeiramente livres", confirmavam
esta ainda jovem presunção. Por isso logo e cedo pensei que
ninguém me poderia ajudar. Bendita revelação esta! Hoje sei ser esta a
única via de facto para se poder ver e experimentar o milagre que muitos
hão tentado explicar e assim desvirtuar, mas em vão. Nunca poderemos
buscar Deus numa instituição, mesmo verdadeira ou apenas falsa,
porque Deus é nem mais nem menos que uma pessoa real que nos quererá
para sempre!
Tinha na altura cerca de vinte e dois anos de idade, embora me dessem
mais de trinta pela maturidade que evidenciava e já nada me convencia
que Deus não existia, nem que fosse pelo pecado que havia! Como não era
solução criticar quem estava menos errado que eu, comecei então a
depender duma luta pessoal e su generis mais virada para Quem me criou e
que não me escutava sem eu saber muito bem porquê, do que para quem não
me conseguia dar qualquer conforto à angústia que sentia dentro de mim.
O único problema que aderira à minha pele, seria o flutuar bastante
tempo sem qualquer Verdade interior, isto é, Cristo em pessoa. Através
dessa maneira de ser, aprendi a desconfiar assiduamente de tudo o que me
batesse à porta, permitindo-me ouvir apenas e tão só quem eu tal coisa
permitisse - e eu punha-me a mim próprio no topo da lista dos possíveis
falsos! Por outro lado, assumia que provavelmente nunca conseguiria
descobrir Verdade por ver tantos enganados à minha volta, alguns dos
quais amigos meus! Fui viver perto de uma igreja reformada portuguesa em
Pretória, onde fiz alguns outros amigos que tinham as mesmas lutas
interiores que eu e com quem podia conversar abertamente de tudo o que
estava mal e bem nas igrejas que falam de Deus. Mas nunca chegávamos a
qualquer conclusão. Um desses amigos era cego devido a alguém lhe ter
atirado soda caustica para os olhos e cara, desfigurando-lhe o rosto por
completo, sendo a partir daí que começou a procurar Deus para que fosse
curado por Ele. Por vezes é preciso ser-se cego para se começar a querer
ver - os mistérios que a vida contém!
Nesta altura, eu tive um acidente grave num triciclo motorizado que me
havia sido oferecido por maçónicos, embora eu não soubesse que o eram.
Entrei em contacto com esta seita satânica que passei a conhecer também
involuntariamente. Essa ocorrência que quase me custou a vida antes de
saber onde morava o único Mestre que me podia responder, não só com
palavras mas com vida infinita dentro e fora, às muitas questões e
angústias de espírito que teria para Lhe colocar muito urgentemente. Se
morresse na altura estaria perdido para sempre. Escapei ileso enquanto
que a moto foi para a sucata sem arranjo possível. Comprei então um
carro usado o qual adaptei e do qual me servia para me deslocar de um
lado para o outro. E foi neste carro que os grandes milagres da minha
vida começaram a suceder-se uns atrás dos outros - não que eu os achasse
assim tão extraordinários, porque a maturidade também dá calma a quem vê
o impossível. Estes foram dos momentos mais belos por que passei na
altura, porque vim a conhecer um pouco melhor Quem me criou.
Mais adulto do que já era, comecei a ler a Bíblia com mais calma e com
mais intensidade, sabendo que quem me chamava e batia à porta, me daria
as únicas ocasiões necessárias para conhecer o que de verdade podia
existir nesta vida - e não seria tão pouco como isso. "Aquele que crê,
não se apresse", diz a Bíblia, a menos que tenha uma razão valida para o
fazer. Só existe uma razão para as oportunidades que Deus nos dá serem
únicas e infalíveis - é estas poderem ser seguramente factuais à
primeira, as quais à segunda poderão lá já não estar. Ia e vinha duma
cidade para outra ao sabor do vento que Deus mandava contra a minha
pequena e podre caravela, que gemia com o movimento, sem estar ainda
muito seguro daquilo que pretendia. Mesmo assim, já era levado a ensinar
a muitos o que entendia de Deus. Isto fazia com a dedicação possível de
quem começou a pensar que o que viesse no futuro, por certo viria. Mas a
angustia não desaparecera, apenas se transfigurara - vivia numa calma
aparente e igualmente deplorável. Não será bom os ímpios terem paz. Por
isso diz a Bíblia: "os ímpios, diz o meu Deus, não terão paz; são como o
mar bravo que se não pode aquietar". Esta falsidade acompanhou-me
assiduamente durante algum tempo, até que me apercebi que ainda
continuava a estar sem o Algo que procurava. Nada mais razoável que
encontrá-Lo sem mais perdas de tempo. "Aquele que busca, encontra",
disse Cristo, "se Me buscar de todo o seu coração".
CAPÍTULO 4
Havia deixado de frequentar o dito curso de teologia e, à parte da vida
normal de trabalho onde ganhava apenas o suficiente para me suster e
alimentar devidamente, comecei também a pedir a Deus que me levasse a
qualquer lugar do mundo onde pudesse encontrar qualquer trilho, recente
ou antigo, que me levasse a Ele sem mais demoras. Nunca me apercebi
porém que estaria para breve esse mais que esperado encontro, porque
"aquele que pede, recebe". No entanto, tive de esperar até não mais
poder continuar sem ver a vida que me havia sido prometida, sem nunca a
ter encontrado e sem sequer ter qualquer explicação para tal 'fenómeno'.
Por aquilo que lia, da Bíblia, seria impossível não encontrar Deus.
Vendia aspiradores de casa em casa (difícil eram as casas com escadas
por causa da cadeira de rodas!), e por esse método vim a bater à porta
de pessoas com quem ainda hoje mantenho fervorosos contactos. Uma dessas
senhoras era crente não só convicta, mas real, tendo precisamente Quem
eu ainda buscava. Ela não era simplesmente convicta, mas sim convencida
e dominada para uma vida sem igual de dentro para fora - e eu que
buscava mais do que nela via, angustiei-me ainda mais, pois via que
buscava bem!
No entanto, sabia que nada disto me servia, fosse de que modo olhasse
para o problema. Nada fora de mim poderia ser-me real e salvador, mas de
qualquer modo, deu-me uma grande esperança na busca do que eu sabia
existir cada vez mais sem qualquer sombra de dúvida. O facto desta
senhora ter parte do que eu, enfim, procurava, trouxe-me algum alento,
pois concluí que não estava errado no que pensava e esperava de um Deus
que se quer vivo - mas mesmo assim não resolvia nada em mim. Apenas me
dava alento e esperança o saber que afinal Deus existindo em nós,
haveria de ser realmente real. Não arredaria pé desta plena busca sem
encontrar Quem buscava. Nestes momentos não me apercebia dos versículos
Bíblicos que diziam "se Me buscardes de todo coração, ali me achareis",
"aquele que vem a mim, de maneira nenhuma o lançarei fora", mas mesmo
sem estar ciente deles e embora os conhecesse muito bem, fazia por minha
própria e espontânea iniciativa o que ali se descreve e pede. Como os
que pregavam sobre estes versículos me pareciam inócuos, então fazia por
não confiar na própria experiência por temer tornar-me inócuo também,
isto é, não olhava com muito bons olhos para aquilo que em mim se
passava por estar a assossiá-lo às instituições religiosas por onde
passara. Uma coisa leva à outra e normalmente associamos tudo o que em
nós se passa com o que à nossa frente se desenrola, por exemplo, alguém
que busque Deus em pessoa, se viver entre idolatria, associará sempre
Deus a imagens inertes e daí poderá sobressair uma fé tão fictícia e tão
inerte em plena arrogância, que muito fará por se auto estabelecer e
preestabelecer através de tais meios ilícitos de arrogância e afronta a
Deus, isto é, biblicamente falando. Lemos na Bíblia que "o Senhor
resiste aos soberbos", daí existir muita arrogância em quem não O
conhece e estabelece que conhece Deus através de meras formas normativas
de vida no fundo ilícita, sendo até bastante visível por quem também
arrogantemente se desfaz de Deus chegando até a rejeitar Deus por
'culpa' destes líderes inócuos e sem vida. Sublinho no entanto que aqui
sempre existirão dois culpados e nunca um apenas, porque a culpa suprema
será sempre de quem não conhece Deus e não da causa que a tal ignorante
resistência leva por parte de quem gostaria que Deus no fundo não
existisse, isto é, bastando para isso acreditar que Deus de facto não é
por causa do que vemos em líderes mais que profanos e não por causa do
nosso próprio pecado. Esta verdade em mim, de que eu era o único culpado
ao não saber do paradeiro de Deus, misturava-se muito na altura com o
apontar do dedo a outros culpados também, o que também é ilícito.
"Qualquer um que venha a Mim..." tem plenos poderes de desfazer qualquer
dúvida a esse respeito e mais não será preciso dizer.
Sem querer-me alongar muito sobre este período bastante confuso de
momentos hilariantes de busca consciente de Quem vive para sempre, o
facto de estar cada vez mais perto d'Ele não me satisfazia em nada,
apenas me dava um certo alento que também não passava de ser uma outra
forma de fome e sede de Justiça. Tinha de encontrar Quem me criou e
chamou, nem que para isso tivesse que passar por alguma experiência
desagradavelmente inesperada de morrer devido à presença do Ser que até
ali desconhecia por completo e de Quem havia já ouvido e ensinado
bastante em variadíssimas circunstâncias. Eu temia que algo me pudesse
ocorrer de facto tal era a certeza que possuía naquilo que haveria de
ser verdade, mas como havia um vazio em mim que não mentia e o qual eu
não tinha como explicar, pensei que talvez tal coisa nunca fosse
ocorrer. Mas também já estava preparado para tudo, pois pensava que
qualquer coisa que me pudesse vir a suceder por estar a buscar o meu
criador, nunca teria desfecho pior do que aquele da vida que levara até
ali. Buscaria eu o meu Criador e morreria quando a Bíblia diz "buscai-Me
e vivei"? Seria tal coisa possível? Nesta maré do tudo ou nada,
aproximei-me do auge do desespero, buscando e não encontrando. Porém,
não desistiria nunca acontecesse o que acontecesse, pois é fácil
desistir a meio gás nesta difícil busca que exige a todos por de lado
qualquer preconceito ou mesmo preceito sobre verdades e mentiras. Muitos
não conhecem verdade nenhuma - mas conhecê-la não é nunca o mesmo que
tê-la e experimentá-la. Já O havia "aceite" como meu Salvador não sei
quantas vezes, (coisas que se pregam por aí baseando-se em verdades sim
mas que nunca funcionam!) sem que nada de especial se tivesse passado,
pois o que mais desejava seria encontrá-Lo cara a cara e por mais
sabendo que agora seguramente contemplava a verdade. Fiz-me então à
aventura de clamar a Ele duma vez por todas. Mas só acabei por
encontrá-Lo quando já nada mais podia fazer a não ser deixar-me sucumbir
em lágrimas num espírito de 'agora já não posso mais!'
Estava numa pensão, vivendo e comendo lá, com uma renda mensal. Era dali
que saia todos dias para ir vender aspiradores ou para ir para a
faculdade. Um belo dia apertou-se-me o coração de tal modo que não
conseguia descrever o que comigo se passava. O aperto era tão grande que
nem dava para pensar no sufoco que me trespassava profundamente, mas
dava tão só para pensar para aonde esta ânsia de espírito muito estranha
e anormal desejava que fosse - ao que ela levava era-me bastante lúcido
e claro. O que era, eu não entendia. Estive na casa da senhora que
mencionei acima e ao fim dessa tarde, já anoitecendo, apertou-se-me o
cerco ao coração ainda mais. Já não poderia continuar mais assim,
pensava - estava de rastos, no fim da busca. Seria agora ou nunca mais,
pensei. Não sabia o que esperar, nem como foi. Deu-me um medo estranho.
Como podia eu estar a falar assim com Deus como que 'exigindo' ali e
agora que me resgatasse da perdição em que me encontrava há já bastante
tempo? Seria Ele surdo? Foi uma coisa estranha que passou por mim, pois
não me lembro sequer de alguma vez pensar em orar a Deus daquela maneira
- hoje sei que essas são as orações que são ouvidas. Uma tristeza
palpável apoderou-se de todo o meu ser, de tal modo que tão pouco me
importava o que me pudesse vir a ocorrer, isto é, se desse para
acontecer o pior. Nada mais fazia sentido senão houvesse qualquer
resposta do alto, fosse esta negativa ou positiva - qualquer sinal em
forma de resposta também não chegaria e se calhar acabaria por me trazer
mais angustia ainda, pois dar-me-ia a ver que Deus existia de facto e eu
continuava vazio. Também não entenderia nada mesmo se Deus se
manifestasse e não me enchesse de vida. De certa forma achei tal coisa
impossível de vir a acontecer. Como iria poder-me explicar tal
ocorrência? Será que já estava para além de poder ser ajudado, ou não?
Chegara o momento de obter respostas e não podia esperar mais. Ou achava,
ou então nada mais interessava. Recordo-me como se fosse ainda hoje, que
saí da casa da senhora no meu velho Mazda 616 já com muita história para
contar. Parei à entrada da auto-estrada que me levava à pensão e falei
com Jesus, cara a cara, sem rodeios. Queria Ele que eu ficasse incrédulo
perante o que me pareciam evasivas da Sua parte? Disse-lhe que mais já
não aguentava, e que com o que fosse que Ele tivesse para mim, que
viesse ao meu encontro, só que já não poderia ser no dia seguinte porque
chegara provavelmente ao fim de mim mesmo. Se Ele se zangasse por estar
assim tão audaz, perderia um ser que Ele criou e por quem se deu o
trabalho de morrer. Por estranho que possa parecer, pareceu-me que seria
assim que Deus quereria que nós falássemos com Ele sempre. Tive uma
enorme sensação de que havia sido ouvido e isso deu-me um género de
alento que não consigo descrever em palavras. Nunca havia sentido tal
coisa! No meio das muitas lágrimas e choro, tentei desabafar tudo o que
me passava na alma em duas ou três frases feitas na fornalha da minha
sinceridade mais que profunda e já sem forças para mais. Desejando que
Ele fosse real e não uma possível miragem apenas, aquela barreira que
mais me parecia de ferro havia sido furada por uma simples oração
sincera e em fim de carreira. Eu sabia que havia sido ouvido - pela
primeiríssima vez entendi o que é crer quando se ora e isto depois de
tantos anos de crente.
Peguei no carro de novo e fui para a pensão onde 'morava'. Chegando lá,
tomei um duche e tentei ir dormir. Não conseguia sequer fechar um olho,
quanto mais dormir! Pus-me de joelhos, de repente, ao lado da minha
pequena cama e lembro-me de pensar que ainda não havia sido atendido e
que talvez houvesse ouvido um certo sim em forma de sensação que ainda
não se materializara. Clamei ao Senhor, com a esperança e, pela primeira
vez, experimentando uma super fé mais que celestial, uma que me era dada
sendo esta a tal que é fruto do Espírito Santo. Não havia nunca
imaginado sequer que chegaria a tal ponto de humilhação de ter de pedir
e clamar por vida assim, eu que sempre insistira em produzir uma
própria. (Isaías 64:6,7). Sabia no entanto e muito instintivamente que
uma, só viria por troca com a outra. Ao entrar mim aquela Vida, a outra
que tão eloquentemente se fazia ser teria de morrer ali e agora,
permitindo que tudo se fizesse novo começando do zero. Disse mais ou
menos isto: "Senhor, não aguento mais, hoje tens de vir ao meu encontro,
e sem mais demoras. Não pode ser amanhã, porque acho que mesmo sendo
hoje, hoje já é tarde". Se calhar não foram precisamente estas as
palavras que usei, mas com toda a certeza esse era o estado de espírito
que clamou penetrando ao mais remoto lugar dos céus. Os momentos
seguintes, por muito que tente descrevê-los, nunca conseguirei
compreensivamente expressá-los em palavras devido à sua majestosa e
peculiar transfiguração de vida por que passei! De repente, muito
inesperadamente, sem saber de onde nem como, Deus desceu até mim. Não me
consumiu, não me amedrontou, nada me falou. Mas palavras para quê diante
de tal majestade? Eu que no fundo também temia o pior de tudo, isto é,
ser consumido por Alguém que sei ser puro e santo, não só não fui
consumido como fui elevado ao esplendor real da vida que Deus a todos os
que O buscam promete dar. Perdi todo o tipo de temor diante de tal
majestade de amor! Diz 1João4:18, "no amor não há temor; antes, o
perfeito amor lança fora o temor". Um amor celestial inundou-me, de tal
modo que nada temia, nada mais queria e nada mais queria saber desta
vida. Esse amor sugou-me, trespassava-me, maravilhava-me e não parava de
fazer cada vez mais e mais o que eu nunca esperaria mas de que já ouvira
falar. Como poderia haver ignorado e esperado durante tanto tempo Quem
estava ali, Quem havia buscado e achado por uma simples implosão de
coração quebrantado e seco? Qual a doutrina que se assemelha a isto?
Qual a religião? Como podia haver pensado que morreria ao encontrar
Jesus factualmente?
Ondas de amor atravessavam todo o meu ser, varavam-me a alma, enchiam-me
de todo, de alto abaixo. A consciência de que estava agora perante,
dentro e fora do único ser imortal e Todo-Poderoso, criador do universo,
apoderou-se de mim de tal forma que nunca mais iria esquecer o que ali
se passou e se repetia continuamente sem parar. Ondas graciosas de amor
trespassavam-me uma e outra vez sem parar. Era um amor continuamente
inundante que enchia todo o tipo de vazio em mim. Aquelas ondas de amor
profundamente ligeiro, suave e mais que belo, não paravam de me inundar.
Eu chorava, cantava de alegria. Como era possível tal coisa? Não sei se
fiquei naquele estado de alerta máximo de total beleza interior e
exterior também durante muito tempo ou não. Sei que apenas fui dormir a
altas horas da madrugada, tínhamos muito que conversar e principalmente
agora que estava de todo inteiro e mais que vivo. Principalmente depois
de encontrar este Ser magnífico que por acaso se chama Deus, e de Quem
as pessoas falam, e sobre Quem muito discutem e nada demais d'Ele ficam
a conhecer. Foi um encontro de tal modo impressionante, que ainda hoje
guardo agradáveis memórias, se bem que a intensidade da Sua vida em mim
fosse aumentando de dia para dia depois disso. Nunca mais esqueceria tal
ocorrência. Nunca a poderei esquecer por uma simples razão: foi uma
total surpresa para mim. Mesmo que a vida de que a partir daí passei a
desfrutar, umas vezes mais outras menos continuamente, se intensificasse
de dia para dia, este momento foi fantástico pelo simples facto de haver
saído dum pesadelo de trevas para dentro dum paraíso de luz radiante e
simplesmente suave mesmo na sua maior plenitude de força e de vida. Era
uma fonte que desconhecia por experiência e por essa razão houve um
maior contraste muito momentâneo que se gravou na minha memória para
sempre. Sair daquelas trevas naquele momento, contrastavam em demasia
com a pouca Luz que ali poderia suportar. Senti e presenciei
pessoalmente o que querem dizer as palavras que dizem quem crê em Cristo
"passa da morte para a vida" (quem crê desta maneira real, não crendo
numa mentira mas sim em alguém realmente presente, pois "a fé é a prova
das coisas que não se vêem" e nunca uma ficção que se assegura sem se
saber como! (Heb.11:1)).
A diferença era que esta mudança era real demais, pois testifico que
tudo isto é deveras verdade. Tudo aquilo que tive até então, não passava
de morte comparando uma coisa com a outra. Nunca ninguém vai saber que
está deveras morto até encontrar esta vida suave e verdadeira - rios de
água viva, brotando não se sabe de onde nem para onde.
Naqueles momentos porém, apercebi-me de muita coisa errónea e maldosa na
minha curta vida de pecado - a musica pop que ouvia pelos adultérios
verbais sem conta que se ouviam dela constantemente; tudo o que estava
errado saiu cá para fora, duma vez por todas, porque aquela vida veio só
para destituir outra. Mas também já nada disso me importava mais, se
aquilo estava errado, ia para o lixo, Ah se não ia! (No dia seguinte
estava tudo despedaçado do lado de fora da porta do meu quarto - se não
era bom para mim, mau seria para qualquer um - e toda a gente que ali
passava interrogava-se sobre o que me havia dado, visto não demonstrar
quaisquer sinais e qualquer evidencia de algum ataque de fúria e estar
tão alegre e cheio de vida; penso que nunca conseguiriam explicar-se a
eles próprios, se eu não tivesse mais ou menos explicado que apenas
destruíra o que queria destruir-me a mim para sempre - mas mesmo assim
creio que nada entendiam! Trocava uma vida pela outra, pois, "quem
perder a sua própria vida, achá-la-á".)
Voltando àquele encontro inesperado, devo dizer que não me recordo dos
pormenores todos, de quantos pecados confessei, (isto é por certo muito
diferente de o ir confessar a um padre!) de quantas coisas esclareci, ou
mesmo de quantas coisas bonitas vivi. Apenas sei que horas me pareceram
minutos eternos e sem fim. O tempo deixara de contar, as horas pareciam
minutos e vice-versa. Tinha plena consciência de que tudo aquilo eram
apenas 'amostras' daquilo que ainda me poderia vir a ocorrer - e, se
dependesse de Deus apenas seria para toda a eternidade (sim, a
eternidade que nunca mais acaba, ou pensamos nós que não haverá vida
depois da morte? Pura ilusão!) Mas algo físico ainda se manifestaria em
mim, que nunca me vai passar ao lado da memória - é impossível refutar
qualquer coisa de tudo o me ocorria naqueles momentos, por muito que
alguém tente refutar por causa duma qualquer ideologia a que se haja
entregue conscientemente ou não. Mesmo mais tarde, em tempos mais
acidentados do meu percurso com Cristo em Pessoa invisível mas muito
real, não teria maneira plausível de renegar ou negar em palavras tudo
aquilo que comigo se havia passado, pois era uma vida que me levava a
uma obediência voluntariosa natural e quase cega, mas que muito via, tal
era a confiança naquilo e naquele que me guiava despercebidamente (com
muita ligeireza e suavidade real e realista) e de uma forma muito
marcante. Pela primeira vez percebi as palavras "fé que leva à
obediência". Não era a obediência que era obrigatória, pois apenas o era
por ser natural, na plena busca de uma fé sem tropeços e fingimentos - a
fé forçada é morta e desajeitada demais para poder conviver com o que
encontrei. Hoje sei que enveredei pelo caminho certo e que um Deus vivo
espera que o tenham como real e que assim permaneça depois daquela
primeiríssima vez. Finalmente! Já não era sem tempo!
Naquela noite de contos de fadas, para usar uma expressão mundana que não
explica sequer um pouco daquilo que ali se passara comigo, eu vi o
Criador do mundo, e toquei a orla do seu manto de amor. Acha tal coisa
possível? Experimente e verá! Ele é para qualquer um, grande ou pequeno,
direito ou torto. Eu era todo torto e cheio de cicatrizes e no entanto
Ele não fez qualquer objecção a esse facto. Eu é que fiz - estava
paralítico e diante do ser mais poderoso de todo o universo, aquele
precisamente que mudara já a vida de muitos, que curara cegos e coxos e
lhes dera vida interior e eterna inesquecíveis! O que esperavam que
fosse uma das coisas que 'discutiríamos' a dois? Nada demais mesmo,
apenas uma cura para uma pequena doença chamada paralisia dos membros
inferiores. O que seria isto para Ele naquele momento de glória para
mim? No entanto a Sua resposta surpreendeu-me de tal modo que é daquelas
memórias que também ficam para sempre em nós. Eu disse: "ó Senhor, eu
quero andar, cura-me!". Ainda falava e de repente, como se umas mãos
poderosas me levantassem pegando-me por debaixo dos braços, deparei
comigo mesmo em pé, firme nos meus pés. Temi que fosse cair, e não caía.
Segurei-me numa pequena mesa-de-cabeceira que se encontrava ao lado da
minha cama. Mas tão de repente como fui levantado, também assim fui
posto no chão de novo e de joelhos perante toda aquela majestade de tão
bela e desconhecida que era, que também pouco me importei que não
começara a andar.
Como que dentro de mim, ouvia uma certa voz que não ouvia, e me dizia
"como vês, eu posso curar-te, tenho poder para isso, mas não será para
agora. Vai, testemunha de Mim assim, e diz às pessoas que Eu ainda sou -
existo e sempre existirei - é para isso que te quero assim. A tua
alegria vem de mim e não da tua cura que Eu posso executar sem esforço".
Não sei se Deus me vai curar algum dia, penso que sim, mas naquele
momento não o fez - apenas me mostrou que podia fazê-lo sem o mínimo de
esforço sequer. Estranho, não acham? Mas que dizer de quem é Deus mesmo!
Com isto foi-se-me de vez a teoria pentecostal das igrejas que pedem
dinheiro a troco de palavras e citações Bíblicas e que por essa razão
tentam convencer que Deus cura a todos. Eu era como aquele paralítico
que durante provavelmente quarenta anos se sentara à porta do templo de
Jerusalém, onde Cristo entrou e de onde saiu muitas vezes sem nunca o
haver curado. Foi preciso ser Pedro a fazê-lo depois da Sua morte e
ressurreição, isto não sei quanto tempo depois de até Pedro por ali
haver passado muitas vezes e muito frequentemente, para ir pregar no
interior do templo depois de Pentecostes. Estranho, ou estamos aqui a
lidar com um Ser que muito poucos querem entender? Que dizer do lago que
remexia, onde Cristo entrou para curar apenas um dos muitos que lá se
encontravam? Não quero de maneira alguma divagar e criar uma doutrina
que muitos possam, por sua vez, usar em proveito próprio - estou apenas
a relatar factos e ocorrências que se passaram comigo, as quais nunca
mais esquecerei. Estarão estas a serem proveitosas para si, caro leitor?
Mas perante tal lua-de-mel inesperada, posso garantir que pouco se me
importava que andasse, corresse ou voasse e mergulhasse - a única
preciosidade que nunca mais deixaria de querer ver era o Ser que havia
encontrado, buscado e que humildemente se havia 'afeiçoado' a um verme
pecador como eu. Percebo agora aquela parábola de Cristo que diz que o
reino de Deus é como quando alguém acha um tesouro precioso e volta,
vende tudo, e compra o campo com o valor exacto da troca (nem mais nem
menos) e em gloria deleita da preciosidade que encontrou. Declarei
guerra ao pecado de ali em diante, a única ameaça à vida de plenitude
que encontrara. Não que fosse já assim tão plena, mas lá que era mais do
que eu esperava, lá isso era. Daí todo aquele alvoroço diante da porta
do meu quarto no dia seguinte. Assim ia perdendo todo o peso de chumbo
que se me estrangulava por de dentro - não mais poderia voltar a olhar
para trás e virar estátua de sal, como ocorreu à querida mulher de Lot.
Mas por incrível que pareça, anos mais tarde, isto tudo mudou e virou a
meu desfavor. Não que sinta grande vontade de falar sobre tais tempos de
vergonha incandescente, mas fá-lo-ei, nem que seja como aviso a quem já
tenha vida.
Entretanto, como já fiz por mencionar antes, havia abdicado de todo e
qualquer tipo de até simples respeito pelas imagens que se fazem passar
por Deus e sabia que tal não só era pecado por aquilo que lia da Bíblia,
mas que eram uma real afronta a um Deus que se dizia vivo. Li por
exemplo passagens como. "não farás par ti imagem de escultura, nem
semelhança do que há em cima nos Céus, nem em baixo na terra... não as
adorarás nem diante delas te prostrarás; porque eu sou o Senhor, teu
Deus, Deus zeloso... que visito a iniquidade daqueles que me
aborrecem... não terás outros deuses diante de Mim", muito menos pedir a
uma suposta mãe de Deus para me ajudar!(Êxodo 20). Outras passagens
podia enumerar como "envergonhar-se-ão todos os que fazem e adoram
imagens que não vêem nem falam", mas uma já é quanto baste para
esclarecer como se enganam aqueles que trocam o verdadeiro Deus por
imagens de pedra, barro e porcelana que nem sequer respiram vida quanto
mais dá-la a quem a busca! Isto só se torna condenável por uma simples
razão: Deus é verdadeiro e real! Que afronta a um Deus que se quer vivo
e real! Buscaria eu um Deus que nem anda e nem sequer se mexe por si
(que tem de ser carregado para poder mudar de sítio!) com Um assim tão
real e tão perto?
Perante tudo o que me ocorreu a partir desse dia, não pude deixar de
entender uma das razões pelas quais as pessoas que se entregam à
idolatria e religião, seja de que género for, sejam sempre tidas como
culpadas da sua própria perdição sem qualquer desculpa que as valha.
Caro leitor, a sua vida é uma preciosidade - não a deixe perder-se em
emaranhados inócuos! Qualquer um que se proponha buscá-Lo de todo o seu
coração, de qualquer raça, com qualquer cara, de qualquer idade,
seguramente encontra - até uma burra seca encontra se quiser deixar de
ser seca e mentirosa!
AQUELE MOMENTO MAIS LINDO DA MINHA VIDA
Quando busquei Cristo e O achei,
perguntei a mim mesmo porque O desejava tanto assim
A resposta surpreendeu-me bastante,
não desejava mais nada que uma vida constante
Quando a achei era maravilhosa demais,
pois estava habituado a mentir para mim mesmo
E mentia para mim porque nem podia deixar de experimentar a morte que pensava ser vida
Não era falta de vida,
mas era a presença da morte, real, dura, implacável,
feia e a qual me fazia mentir para prosseguir
Suas mentiras são o jeito de encorajar mentindo e de encobrir, por elas prosseguimos,
morrendo a cada passo que damos
Sofria imenso porque pensava que estava sobrevivendo quando me encontrava morrendo
E era aquela dor do engano que eu nem sabia explicar
porque apenas a sentia e não enxergava sua origem
Havia uma espada atravessada em meu coração por causa da vida que vivia,
por causa de mim mandando
Porque tudo que esta vida me dava
cobrava em troca um vazio enorme que me fazia cair mais fundo na tentação de prosseguir
Já tinha algumas coisas que desejava
e muitas me faltavam que me faziam sonhar para alcançá-las sem me ser possível
O sonho do mundo nos mantém presos ao mundo,
pois, se nos desse tudo nem nos conseguiria manter ocupados nele
Mas cada dia que passava e cada coisa que conseguia
aumentava a insatisfação e a falta de vontade de continuar vivendo assim
Era um vazio enorme que me fazia detestar tudo que não preenchia
aquilo que a morte cavava dentro de mim
Eu trabalhava imenso, lutava sem tréguas mas estava apenas me desgastando
enquanto me afundava em minha própria cova
Esta era a morte que eu tentava explicar e esconder até de mim mesmo para poder prosseguir
Mas no dia que decidi olhar a realidade de frente, logo ali tudo mudou
Chorei de tristeza e nem mais parei de chorar até que a alegria inundou todo meu ser
Parou em mim a luta de rejeitar, de aceitar,
parou a luta de desejar conseguir ser diferente para poder ser diferente
Não desejava nem riqueza nem pobreza, mas apenas aquilo que viesse com Cristo,
Se dali em diante fosse rico ou pobre, saudável ou enfermo, pupilo ou mestre,
por Ele tudo faria desde que ficasse com Ele
Ouvia meu coração repetir as palavras de Moisés, dizendo,
"se não fores comigo, Senhor, daqui não sairei"
Se Ele fosse real, eu queria a Ele e parei a luta de aceitar e de rejeitar,
sendo que era tudo em vão sem Ele
Pois para a pessoa que estava no lugar de Cristo em minha vida,
eu mesmo, tanto o aceitar como o rejeitar era como sono sem descanso
Sei que nem é o trabalho que cansa, mas, antes eu mesmo me canso
trabalhando porque não sou leve, não estou aliviado desta vida própria
No momento da libertação, quando meu jeito de empreender termina,
quando minha opinião é demasiado enfadonha e detestável
Quando me rendo em vez de decidir rejeitar ou aceitar, quando minha própria vida terminou
E quando não rejeito ter uma opinião d'Ele, de meu Rei,
quando não luto mais nem para recusar nem para aceitar
Quando um reinado termina e nem se vende nem se compra,
não se perde nem se ganha mais, ali tudo termina!
E foi assim que eu terminei, que meu reinado sobre mim claudicou e cedeu:
só queria meu Rei em mim para sempre.
E foi assim, também, que no meio das trevas me veio a luz que achei linda demais
Nem era tão intensa quanto é hoje, mas eu estava nas trevas e na tristeza,
vivendo e sobrevivendo dos pratos da amargura
E o contraste fez-me experimentar um pouco do que acabei achando demais para mim
porque minha fome dignificou o que achei
Os primeiros raios de sol me pareciam sol intenso, luz brilhando com demasiado amor
Mas era a culpa do contraste que o momento causou, pois hoje,
olhando para trás com um sorriso
Vejo como tanta fome quase me fez contente com pouco,
como quase me prendi ao que mal havia começado
Temia perder porque a fome de ser d'Ele tanto pediu
e não fosse Sua voz assegurar-me que veio para ficar
Nem teria aberto mão daquele momento onde vi vida chegar de forma real
e experimentei como comida um raio da luz do céu
Era intenso porque vivia nas trevas
e nem sabia que estava raiando para ainda ser dia completo E se alguém me dissesse que
"a vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais
até ser dia perfeito",Prov.4:18,
Nem acreditaria no que me estariam dizendo,
pois o momento foi real demais, belo demais porque vivia nas trevas e a luz contrastou
E nunca aceitaria crer que poderia ser melhor,
que a glória pudesse vir a ser mais que aquela pouca luz forte e amorosa
E agora que me habituei a viver e conviver com Ele,
a tudo partilhar e compartilhar do jeito que Ele também faz comigo
Tanto mais vivo e tanto mais viro as minhas costas para o mundo sem graça que abandonei,
deixando-o a chorar e a lamentar-se por mim
(Mas seu choro é falso, atrai para morrer junto com alguém e não para dar vida).
Antes não queria aquela vida por decisão, pelo medo de perder a que achei,
usando a falta de confiança e a força,
Agora é por falta de lembrança, pela falta de amor pelo lixo que se apagou de minha memória
Deixei de agradar, de desagradar, de lutar e de prender, de manifestar e de encobrir,
Para me render e assim poder vencer para sempre
e poder dedicar minha vitória a Quem a colocou dentro do meu coração
Agora entendo que a arena, o campo de batalha, nunca foi fora de mim
E que lutava contra inimigos que imaginava do lado de fora para me poder encobrir melhor.
A vitória foi sobre mim.
O amor d'Ele transbordou naquele dia, pois o vaso era pequeno demais
e Ele foi crescendo e continuava transbordando conforme me ia alargando
Parecia amor líquido entrando e saindo, trespassando e preenchendo meu vazio
Senti-me, naquele momento, como se nunca tivesse vivido longe d'Ele
tão sublime era aquele encontro
Eu era trespassado e Seu amor passava por mim como se eu não fosse nem sólido e nem impedimento
O amor vinha e ia, mas quando ia ficava dentro de mim para sempre,
Ele ia mas não saia porque é grande
Eu sabia que era Ele, sabia de quem se tratava pois foi por Ele que minha alma tanto desejou
Nem sabia o que buscava, mas, quando achei sabia que achei o que tanto busquei
e fiquei experimentando, vivendo e renascendo
Só Ele mesmo para me tirar dos mortos, para me fazer ressuscitar com Ele
E sei que, o momento que um morto sai da morte,
fica mais gravado nele que a Vida que nele se mantém porque ressuscitou
Mas não esta certo vivermos por causa dum momento quando podemos viver
e apreciar Quem nos acolhe de braços abertos
Por mais que tente descrever o que é sair das trevas,
fica sempre a sensação comigo que nem consegui explicar muito bem
Aos amigos que querem passar por um belo dia, pelo momento mais belo de suas vidas
Eu aconselho apenas que O achem, que o busquem, mas que O achem também.
Dizer que "Ele é o Lírio dos vales" sem saber,
é dizer algo que nem entendemos se não vivermos com Ele
Entre na vida, meu amigo, entre na Vida do Rei dos Reis
e aproveite a oportunidade de poder ficar por lá também. Ámen.
JOSÉ MATEUS
CAPÍTULO 5
Esta nova vida era-me inteiramente desconhecida e de vez em quando não me
orientava convenientemente - talvez por falta de lucidez, ou ainda por
pouca aptidão para conhecer Quem era muitíssimo mais majestoso do que
aquilo que pensava e esperava. Já não existiam ilusões sobre o caminho a
que me havia entregue. Não podia nem queria voltar atrás, nem mesmo sem
querer, mas as coisas estariam a complicar-se a passos largos. Comecei a
entender vagamente o significado do que era o reino de Deus, do qual
muitos falam e nada sabem. O reino é actual e nunca só futuro. É e será
sempre actual, constante e efervescentemente prodigioso bem lá dentro de
quem o encontra. A delicadeza com a qual começa a fazer aquele grande
trabalho de salvação, é-lhe tão peculiar que se não temos uma
simplicidade de espírito sadio, dificilmente andaremos n'Ele por muito
tempo. Uma coisa muito boa, no entanto, foi que entendia a Bíblia com
total lucidez e, durante muitos dias e mesmo anos, pude não só entender
mas também partilhar dos seus mistérios simples e concisos. Havia
começado a deslizar por todas as suas verdades e veredas, o que havia de
mudar muito daquilo que já começara a saber anteriormente, pondo todo o
seu esplendor numa outra perspectiva muito mais real e verdadeira -
afinal tudo mudara, tudo era novo. Aquilo que é para criancinhas
entenderem, não se pode tornar complicado. Mas vamos lá perceber isto
quando todos buscam e se encaminham constantemente para labirintos sem
fim, mesmo quando conhecem a verdade!
De vez em quando ouvia umas vozes muitíssimo parecidas com a que deveria
ouvir, que me confundiam o espírito e pelas quais perdia a razão pelo
temor de poder estar a desobedecer. Temia muito poder estar a
desobedecer, ou pelo menos não ouvir. E de vez em quando espalhava-me
por inteiro, sacrificando até a razão quando ouvia o bicho falar. Na
Bíblia lê-se que "tem porventura o Senhor deleite em sacrifícios, como
em que se obedeça à voz do Senhor? Eis que obedecer é melhor que
sacrificar; e o atender melhor que a gordura de carneiros. Porque a
rebelião é como o pecado da feitiçaria, e o porfiar como a iniquidade e
idolatria". Eu já conhecia os sentimentos do Senhor sobre idolatria,
bruxedo e outros que mais. Imagine-se agora que uma simples
desobediência era pecado de iguais proporções. No Antigo Testamento e
mesmo nas muitas histórias sobre diversos países pós-biblicos, nota-se
com alguma estupefacção até como Deus destruiu nações inteiras, não
poupando nem as crianças dessas nações por pecados de adoração de
imagens, feitiçarias e outros que agora não vêm de maneira nenhuma ao
acaso. Eu temia isto por causa de simples desobediências sem entender lá
muito bem a sua origem. Afinal a obediência aqui seria ficar quieto.
Já havia esquadrinhado todo o meu passado em busca de todas as falhas,
crimes e que mais, posto tudo em ordem conforme a convicção que
adquirira na altura (e bem diga-se de passagem!), escrevendo cartas a
pessoas a quem não tinha oportunidade de contactar pessoalmente com a
finalidade de confessar e regularizar os males que havia feito. Desde
pequenos roubos domésticos na carteira da mãe, até coisas mais graves
como ofensas a inocentes e mesmo a culpados, tudo aquilo que pedia
reparo, com maior ou menor dificuldade, regularizava. Foi mais ou menos
por esta altura que encontrei uma área na África do Sul onde Deus (ainda
hoje) opera tal qual fazia com Pedro, Tiago, Paulo e demais apóstolos.
Vi uma Obra de grandes dimensões empreendida por pessoas simples, muitas
das quais iletradas. O meu coração apertou-se de tal modo que disse em
oração algo como: "Senhor, se fizeres isto comigo em Portugal quando eu
for para lá, eu dou tudo o que tenho e não tenho para alcançar o que
gostarias que fosse feito com toda a humanidade. Mas não quero brincar
às igrejas, aos crentes e às orações de vigílias intermináveis e
idolatras que nada de bom trazem a quem assim se sacrifica". Sabia
dentro de mim que estava a ser ouvido. Mas o que viria a acontecer, era
coisa que nunca conseguiria entender. Hoje posso dar uma explicação
menos má sobre tudo o que me trouxeram os mais de dez anos seguintes,
mas mesmo assim não tenho todos os carneiros devidamente organizados e
marcados.
"O que eu quero e por qual dou e entrego toda a minha vida sem qualquer
reserva sequer, sem objecções doutrinárias ou de outro género que seja,
é que Tu, Senhor, faças comigo tudo o que prometes na Tua Santa Palavra
(agora sabia que a palavra era mesmo santa e que a religião adornou
muitas palavras para não parecerem bonitas aos orgulhosos!) - mas não só
de acreditar ou aceitar que é assim ou assado, e nada mais do que isso.
Nestes termos vou contigo até ao fim de qualquer mundo". Foi mais ou
menos neste género de tom que me pude exprimir e pôr em palavras tudo
aquilo que dentro de mim se passava com mais intensidade do que aquela
que possa descrever. Tinha uma ânsia tão grande e tão consumidora de
todas as minhas forças de poder vir qualquer dia fazer igual ou melhor a
tudo aquilo que via diante dos meus olhos, que nada mais me poderia
suster, a não ser eu ou o próprio Deus. Hoje sei que qualquer pecadinho
também o pode fazer. Mas para mim pecados eram só aqueles que estavam à
vista de todos, como mentir, roubar, etc. Mas descobri que esses, embora
maus e graves, são bastante menos prejudiciais do que soberba, tristeza
descontrolada por não ter as coisas que o mundo oferece, como dinheiro
às toneladas (para quem o tem!), um casamento perfeito, uma casa e um
carro que se adaptem às ânsias de cada qual, etc. Eu nunca ansiei por
coisas tais no verdadeiro sentido da palavra, mas quando o cerco da
necessidade apertava, era todo tristeza e angustia, fossem tais bem
disfarçadas ou não.
No entanto, conseguia viver dentro da fé que me segurava agora ainda mais
depois de ter descoberto realidade sem igual em tudo o que se passava
comigo. Não tinha era muita apreciação por faltas exteriores ao meu ser,
isto é, pelas muitas coisas que Deus não quereria suprir por uma ou
outra razão. Não que fossem assim tão grandes as necessidades que
perante mim se deparavam de vez em quando, visto que quando pedi para
vir para Portugal por exemplo, foi-me facultada a oportunidade, tardia
mas definitiva. Uma coisa ocorreu sem sombra de qualquer dúvida: a
compreensão da Bíblia em todos os seus contornos mais ou menos
recônditos e escondidos para quem quer entender através do Seu Espírito.
Aprendi tanto sobre os seus 'segredos', tanto que não parava de me
pasmar sobre todas as verdades que eu julgava saber e que de uma maneira
ou doutra eram completamente destroçadas para onde não podia imaginar
nunca. Eram tão belas as coisas que aprendia, via ocorrer dentro e fora
de mim, que ainda hoje depois de tantos anos, ainda me lembro com grande
clareza de espírito de todos os pormenores dessa aprendizagem na Fonte -
não será beber na fonte melhor que beber onde a água irá passar? Não que
fossem algo de invulgar para quem já vive com esse ser prodigioso, mas
lá que não estava habituado a viver naquele paraíso, isso é que não
estava! Só o conforto das Escrituras, como o apóstolo Paulo menciona
numa das suas epístolas, serem ensinadas não por carne e sangue, homens
que poderiam ter ou não, manter ou não apenas rocambolescas teorias e
amostras de quaisquer verdades, mas sim por Quem as inspirou. Lembro-me
duma história dum homem que escreveu um certo manuscrito ou livro e
depois de muitos anos havia muita gente já bastante informada sobre o
seu dito conteúdo. Um belo dia, alguém estava a dar uma certa palestra
sobre o que o autor do livro quereria dizer no seu livro e afirmou com
plena convicção ser aquela a pura interpretação dos seus factos
escritos. Por acaso, o autor do livro estava entre a audiência e
maravilhou-se por demais com aquela interpretação extraordinariamente
fora de contexto, dando amostras de querer estar posto a dizer o que
nunca quereria ter dito sequer. Isto enfureceu o autor de tal modo, que
perguntou "quem é que escreveu o livro afinal?"
Ora bem, isto é mais ou menos o que se passa em termos de Bíblia, isto
para aqueles que a lêem, porque muitos há que só a têm para mostrarem
que são religiosos. Pudera, se adoram uma imagem que nem sequer se mexe,
nem sequer pode ouvir o que lhe pedem, nada é de admirar que a Bíblia
sirva apenas para fins decorativos para a bela apresentação religiosa de
quem a possui. Mas tudo isto era precisamente o que comigo não se
passava. Estava continuamente a ser ensinado por Quem a inspirou e eu
delirava com todas as descobertas que fazia. Fosse de noite ou de dia,
nunca me faltou inspiração para entender o que quer que fosse. Há uma
palavra de Jesus que diz "conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará", ou ainda "mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai
enviará em Meu nome, Esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará
lembrar todas as coisas...". Isto ocorria comigo noite e dia,
continuamente. Coisas simples que nunca entendera antes, livros Bíblicos
complicados demais para a minha pouca 'teologia' marciana, todas as
coisas que importavam, eram-me ensinadas com tal destreza e tão
atempadamente, que só muito dificilmente não via ou não me apercebia do
que me estava a ocorrer. A parte mais triste de todas foi quando deste
modo confirmei o quão erradas estavam as igrejas actualmente e que tais
só tinham audiências porque, ou convenciam os outros com palavreado fino
e pecaminoso, ou então aceitavam o que outros demonstravam como
infalível, bastando para isso haver um certo poder humano ou histórico
por detrás das ditas instituições dando-lhes a força que a tradição e
habito normalmente dão a quem no fundo não quer estar interessado em
ouvir mesmo. A isto diz a Bíblia "bem aventurados vós que não atais o pé
do boi e do jumento" e também que "virá um Redentor a Sião a quem se
desviar da transgressão, diz o Senhor" e não a quem pertence a uma
qualquer instituição mais ou menos histórica ou não.
Mas, a mim cabia-me na altura saber de toda a verdade e nada mais,
independentemente de quem estava certo ou errado. Descobri que afinal
era assim que Deus operava com todos os que deveras vinham a ele e que
não se 'prendiam' a Deus por meras ou sentidas profissões de fé.
Efectuar uma compra num supermercado é aceitável e até aconselhável,
especialmente quando não se tem nada em casa, mas fazer com que tais
profissões de fé e de que mais seja sirvam de moeda de troca diante de
Deus, não é só tornar-se pecaminoso: é uma grande afronta a todo o tipo
de verdade divina e acaba por revelar ser um sentido de ignorância
encontrada mesmo só entre povos pagãos que chegam até a sacrificar
filhos junto com o gado diante de altares religiosos de valor nulo!
Sobre a Bíblia e as suas verdades poderia dizer muita coisa demonstrativa
da grande bondade de Deus, mostrando por que razão Ele tolera que dêem
interpretações que Ele nunca daria até daquilo que nunca disse sequer,
embora quem o faça nunca fique impunemente a rir-se daquilo que fez, a
menos que se resolvam arrepender a tempo de abrirem os olhos dos pesados
soníferos em que normalmente fazem por se deleitar ao tentar transformar
verdade em deleite para se poderem apropriar de um qualquer e falso
assossego de consciência e isto ilicitamente. Mas isso não é minha
intenção aqui e agora, porque bastará o meu caro leitor dedicar um pouco
da sua atenção à leitura aprofundada das Escrituras para perceber o que
aqui tento demonstrar em papel e tinta e que nunca se assemelhará sequer
à única e genuína conquista por si mesmo, do espaço que existe dentro do
Seu Espírito e que faz qualquer um flutuar em qualquer verdade sem o
mínimo de esforço. Ainda há muito pouco tempo perguntei a uma criança
muito próxima de mim familiarmente, 'quem é que te disse isso?', e ele
retorquiu 'eu penso e sei disso tudo; essas coisa vêm-me à cabeça!'. Não
será preciso ter nem mais nem menos que seis anos de idade para se ser
ensinado sobre o que no entanto chega a ser mais que óbvio - bastará tão
somente nascer de novo em espírito e em verdade! Com um olfacto de
criança, também eu desvendava mistério atrás de mistério, passando não
só a saber da verdade de Deus, mas possuindo-A e experimentando-A para
nunca mais de mim abalar, era uma experiência rara, mesmo em futuras
situações de desfalecimento e rebeldia pelas quais passei em futuras
ocasiões de imensa tristeza e ignomínia, pelas quais muito me arrependo
hoje.
O meu grande dilema na altura eram aquelas vozes que raramente me davam
descanso. Não me permitiam ter um relacionamento pleno com o Deus que
encontrara depois de tanto desespero em descobri-Lo. Poderia confessar
aqui e agora muito do que fui levado a fazer pensando que estava a
obedecer a Deus, mas não vou fazê-lo por falta de tempo em descrever
situações que nada demais iriam trazer a quem leu até aqui tudo o que
tento precisar sem pôr nem tirar de toda a avalanche de coisas que por
mim passou. Faço questão em ser mais que verdadeiro: tento e esforço-me
por tentar não só narrar fielmente, como também tentar dar aso a
imaginações correctas sobre a verdade que fui descobrindo. Estas muitas
vozes davam-me muito trabalho e desintegrei-me aos poucos por causa das
muitas situações emblemáticas às quais elas me guiavam. Muito de vez em
quando, lá ouvia a do Bom Pastor, mas era-me difícil distinguir quando
não era Ele. Quando era, sabia, mas quando não era, duvidava bastante e
tropeçava. Mas lá fui crescendo e criando uma autonomia espiritual que
me permitiu encontrar grandes feitos por parte de Deus, não só na minha
como na vida de outros. Recusei sempre viver sem desfrutar
verdadeiramente de tudo o que Deus promete: as coisas ou eram ou não
eram - nada de meias medidas. E foi esta atitude que me levou a
abandonar tudo uns dois ou três anos mais tarde e também a tornar a
reencontrar tudo o que deixei, mas duma maneira muito mais perfeita. Mas
já lá iremos.
Eu já vivia longe dos meus familiares mais próximos há já cerca de dez
anos. Antes recebera uma carta da minha mãe onde se lamentava muito
sobre a nossa separação e de como a minha irmã mais nova um dia deixara
um pequeno bilhete num local qualquer onde a minha mãe pudesse
encontrar, isto pouco tempo depois de aprender a escrever. Esse bilhete
dizia: "mãe, nunca me abandones como fizeste ao meu irmão". Isto era
demais para uma mãe, especialmente se nada poderia haver feito acerca de
todas as desgraças que nos haviam batido à porta até ali. Mesmo
resistindo ao máximo contra o desfalecer em saudade, eu nunca escondi um
certo sonho de poder ir para Portugal, não só pela família, mas para
poder obter e fornecer respostas às coisas que afinal passaram a ser as
grandes razões que me levaram a viver com grande assiduidade em
esperança, para que muitos pudessem ver tudo o que eu via. No entanto,
nunca ilustrei sequer poder esconder a grande vontade que tinha de
voltar a ver a família - a minha irmã que começara a frequentar uma
igreja evangélica, o meu pai que labutava ora dentro ora fora de
Portugal, o meu pequeno irmão que agora já não tinha mais os quatro anos
com que o vira pela ultima vez, a minha outra irmã que me precedera na
sua vinda para Portugal, de quem me nascera uma sobrinha que nunca
chegara a conhecer; e a minha querida mãe com quem eu chocara
frequentemente por causa da diferença e incompatibilidades de humor que
sempre demonstrara para com ela. Queria poder pedir-lhe perdão por tudo,
e também poder abraçá-los a todos, demonstrar que os queria muito e que
mais, que Deus também. Mas tal coisa demoraria muito a chegar, demais
para o meu gosto - mas quando chegou, foi um pequeno milagre em
alvoroço!
Eu estava na Namíbia, na altura, a trabalhar numa igreja reformada
sul-africana, com um pastor que também encontrara Deus depois de já ser
pastor de igreja, um teólogo que estudara cerca de sete anos antes de
ser pastor. Uma vez falei na sua igreja lotada, numa Quarta-feira, onde
pessoas saíram de cara lavada em lágrimas pelo conforto e convicção de
tudo o que dissera. Não que fosse algo demais, mas aconteceu ali um
pouquinho daquilo que aconteceu com Pedro no dia de Pentecostes onde as
pessoas clamavam por alívio, encontrando-o também, depois de Pedro ter
feito uma palestra simples e sem demonstração de sabedoria farisaica ou
outra. Uns meses antes, mais a sul, uma igreja ficou lotada de
portugueses só através de oração impertinente diante de Quem detém todo
o poder, quer gostemos que assim seja ou não. Sucedeu que eu tentava
trazer o evangelho a uma comunidade portuguesa relativamente grande que
ali habitava, vindos da guerra em Angola. Não vinham mais de quatro a
cinco pessoas às pregações que ali se faziam. Isso destroçava-me por
completo. Não lhes estava a tentar trazer qualquer religião, apenas a
tentar que saíssem dela e das suas rédeas e amarras pertinentes, para
que pudessem conhecer Quem os criara de uma vez por todas.
Como não ouviam os apelos e nem ligavam aos muitos convites que lhes eram
destinados, pus-me diante de Deus com clamores sufocantes a perguntar
"onde é que está o Deus de Elias?", citando as palavras daquele grande
profeta Eliseu do antigo testamento. Ao meu clamor em desespero de justa
causa respondeu-me o Senhor com as seguintes palavras "ouvi-te, aguarda
e verás!". Uns dias mais tarde, deflagrou uma bomba num supermercado
onde trabalhava uma jovem senhora que tinha uma filha de seis anos.
Ninguém se feriu com a explosão desse engenho, a não ser a própria
senhora que na altura atendia um soldado fardado que nem sequer um
pequeno arranhão sofrera com a bomba colocada a menos de dois metros da
caixa. A senhora morreu ali mesmo diante dos seus olhos com estilhaços
de vidros partidos espalhados pelo seu jovem corpo. Conheci creio que no
dia seguinte o esposo da falecida senhora, que se converteu uns dias
mais tarde e que ainda hoje vive para Deus! Mas esta foi a oportunidade
que veio trazer não uma, mas varias comunidades de portugueses de varias
vilas e cidades na cercania à igreja onde o pregador era eu. O funeral
decorreu normalmente, não fosse tudo o que me estava atravessado no
peito. Desabafei de tal modo contra eles, demonstrando que era
necessário que falecesse alguém para que ouvissem que estariam a um
pequeno passo da morte, da qual nunca se livrariam por muitos esforços
que empreendessem. No calor das minhas palavras viam-se pessoas a chorar
pela libertinagem que demonstravam para com Deus - e os familiares
directos e a mãe da senhora que morrera também decidiram ali que iriam
buscar Deus com todo o seu coração, o que acabou por acontecer. Não sei
ao certo quantas pessoas vieram a conhecer Deus, mas as minhas palavras
foram especialmente dirigidas a quem tendencialmente nada faz por ligar
ao perigo em que as suas almas se encontram. Sei que houve quem tivesse
feito juras de morte contra a minha pessoa por me ter atrevido a falar
daquela maneira, os quais, dias mais tarde foram eles próprios feridos
pela deflagração de um outro engenho na estação de correios local - acho
que apenas esses saíram feridos de lá, mais ninguém. Não quero de
maneira nenhuma fazer passar a ideia de que quem me ameaça acabe por se
ferir com as próprias divisas, mas neste caso foi precisamente o que
sucedeu.
Depois destas coisas, Deus falou-me a dizer que chegara a hora de ir para
Portugal. Não tinha dinheiro suficiente para pagar a passagem e tinha um
carro velho que nem dava para pagar o almoço no avião se vendido, quanto
mais a passagem! Ofereci o carro a um moço que desejava muito poder
comprá-lo, mas que não podia sem vender a única moto que tinha e da qual
não queria desfazer-se. Fui para Pretória no carro do moço que
enviuvara, tendo feito cerca de dois mil quilómetros, passando também
por conhecidos e crentes verdadeiramente reais e majestosamente
realistas e amigos ao longo do caminho para deles me despedir, não
sabendo ao certo como me levaria Deus para Portugal não dispondo do
dinheiro para poder embarcar e só eu sabendo dessa carência! Mas chegado
a Pretória a notícia espalhou-se que eu me ia embora, e logo apareceu um
senhor português para me pedir um favor: queria que lhe trouxesse uma
soma em dinheiro para Portugal visto cada pessoa que viajava poder levar
do país apenas o que a lei permitia. A troco desse 'favor' ele não se
importaria de me pagar a passagem (que por sinal eu já havia reservado
sem dinheiro!). E foi assim que vim para Portugal, no dia 18 de Dezembro
de 1986, com muito medo pelos rumores que correm em África sobre os
invernos da fria Europa e pela neve que normalmente os acompanha! Mas
afinal seriam apenas rumores e ainda bem porque o frio não me é nem um
pouco atraente!
CAPÍTULO 6
EUROPA
A primeira reacção foi de estupefacção e desapontamento, assim que pus os
pés na terra que tanto ansiara ver. Em África todos pensam na Europa
como o continente das muitas maravilhas e prodígios, mas o que eu
encontrara foram ruas muito estreitinhas, pobreza à vista em muitos
cantinhos, no fundo tudo muito diferente daquilo que esperava e ansiava
ver. Lembro-me que estava com medo que pisassem o passeio ao conduzirem
o carro por estradas tão estreitas como a marginal à beira mar à saída
de Lisboa. O espaço que usávamos em África para uma facha de rodagem, cá
usava-se para duas! Não que fosse assim tão mau, mas como a expectativa
era outra, nada mais que acertar as agulhas com a realidade que
encontrei em Portugal. Deparei-me então com outros dilemas que me
afogaram o espírito em pranto: em quase cada esquina havia uma imagem de
escultura, daquelas que Deus condena que se adorem e pelas quais destrói
sem complacência. As profecias dizem "cairão juntamente na afronta os
que fabricam imagens"; o desabafo do Senhor segue também, dizendo: "eis
que todos são vaidade; as suas obras (e tentam-se praticar muitas por
cá!) não são coisa alguma; as suas imagens de fundição são vento e
nada", e isto para não falar nos mandamentos que dizem claramente "Eu
sou o Senhor teu Deus... não terás outros deuses diante de ti... não
farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do
que há nos céus, nem na terra... não te
encurvarás diante delas nem as servirás: porque Eu, o Senhor, sou Deus
ciumento, que visito a maldade dos pais nos filhos... daqueles que me
aborrecem. E faço misericórdia em milhares aos que Me amam...".
Bem, foi um grande choque ver tudo isto e como se não bastasse a
gravidade da questão, ainda estavam a florescer! Mas, como não quero que
parem por aqui na leitura do tudo o que escrevo, deixemo-nos de citar a
mentira, aquela que prende pessoas num cativeiro e numa escravidão
adormecida sem igual, a qual faz por adormecer com semblantes de verdade
afagadas em imagens religiosamente concebidas para melhor poderem
enganar quem a estas se entregue; vamos mesmo é à história, pelo menos
ao que dela resta. Pensei muito em vir para Portugal, mas quando cá
cheguei, queria voltar na hora! Nunca vira tantas trevas tão
compactamente juntas! E para não mencionar o sentimentalismo com que a
estas se dedicavam - esforçavam-se por se denegrir perante eles próprios
e diante de Deus e qualquer verdade com um tal carinho especial por
pedaços de barro e porcelana cheios de enfeites enganosos e desviadores
de atenção sobre a morte que tais coisas geram e carregam. Não via
elasticidade nenhuma porque as pessoas recusam-se a buscar o Deus Vivo
inteligentemente mas apenas por meio de muitos sacrifícios infernais e
sem qualquer lógica. Como explicar-lhes que tinham antes de se esforçar
para encontrarem verdade e vida e não fabulas em forma de porcelana e
barro? Pareciam satisfeitos em poder morrer nas trevas e isso fazia-me
agonizar dentro de mim. Só de pensar nas coisas fúteis e inúteis às
quais via pessoas entregam-se com tanta 'lealdade' a uma suposta
liberdade própria para poderem morrer em pura libertinagem! Como se
poderão entregar a imagens que são mais mudas que as estátuas nos
centros das cidades? Por incrível que pareça, isto é o que as pessoas
chegam a fazer, dedicam-se ao suicídio espiritual com um carinho que só
visto! Por isso nos fala a Bíblia dizendo sobre tal ignorância: "Quem
forma um deus e funde uma imagem de escultura, que é de nenhum préstimo?
(...) o carpinteiro emprega a almagra, aplaina com o cepilho e marca com
o compasso: faz um deus à semelhança de um homem para pôr em casa; (...)
plantou um cedro e um olmeiro, metade corta e queima no fogo e com ela
assa carne; com a outra metade faz dela uma imagem para diante dela se
encurvar. Com isso se aquenta e coze o pão: mas também faz um deus e se
prostra diante dele; fabrica uma imagem de escultura e se prostra diante
dela, do resto faz um deus, ajoelha-se e se inclina e diz orando-lhe
'livra-me porquanto és o meu deus'. Nenhum deles leva isto a peito e já
não têm conhecimento (inteligência!) para dizer 'metade queimei no fogo,
da outra metade faria eu uma abominação? Ajoelhar-me-ia eu ao que saiu
de árvore? Não está uma mentira na minha mão? (...) Por isso cairão
juntamente na afronta todos os que fabricam imagens, porque de mim se
dirá: deveras no Senhor há força (ao contrário das ditas imagens!) e
justiça; até Ele virão, mas serão envergonhados todos estes...",
Is.44:14-20.
O desgosto de tudo aquilo penetrou indefinidamente no mais interior
recanto da minha afogada alma. Não sabia falar correctamente a minha
língua materna, e balbuciava palavras sem saber muito bem o que dizer
sobre todo aquele panorama. Penso que comecei a viver um pouco a tentar
desligar-me da realidade que perante mim tão impiedosamente se deparou.
Não conseguia esconder uma certa angústia aflitiva que de mim se
apoderou, levando-me a nem sequer ponderar sobre aquela sabedoria de
saber dizer as coisas para melhor expor o erro. Como experimentava
realidade sabia da também real e consequente condenação de quem assim
vive e sobrevive do engano!
Mas, a vida foi rodando porque os dias sempre avançam com destino certo
e, como o relógio, não batem nem mais rápidos nem tão pouco mais lentos
do que devem - prefigura-se sempre uma certeza absoluta de que vamos
para o fim sempre no mesmo ritmo, daí muitos sonolentos não se
aperceberem do quão rápido passa a vida, adormecendo com os simples
tic-tac's das suas próprias vidas de engano que só é apetecida e
privilegiada enquanto permitir luxúria e descalabro evidentemente cheios
de prazer, porque de outra forma ninguém seria tão entregue à religião
assim - a porta desses acaba por ser suficientemente larga para lhes
permitir tudo isso! E gozar a vida até morrer, como se diz por aí, nunca
foi solução mesmo, nem à religião nem à vida - estes são daqueles
prazeres que geram morte muito discretamente porque de outro modo seria
impossível conseguir-se o que o diabo também pretende.
No entanto, perfilava-se uma luta desigual entre mim e tudo o que me
rodeava. Comecei lentamente a baixar os braços em completo desalento,
pensando que muito dificilmente haveria solução para tanta idolatria e
promiscuidade tão levianamente buscada sem sequer consultar a
consciência e o bom senso. Se falasse, os lobos devoravam-me; se não
falasse, devorava-me eu a mim mesmo em plenas angústias de espírito -
que fazer? Sentia-me sozinho num mundo completamente perdido, parecendo
que nunca mais veria a luz. David disse no entanto "pereceria sem
dúvida, se não cresse que veria os bens do Senhor na terra dos viventes"
(Sal.27:13). Eu, porém, já não tinha assim tanta esperança. Por esta
razão virei-me para dentro, deixando que me viesse algo dizer o que
fazer perante situação tão estrondosamente supérflua e em pleno
descalabro, seguramente. Não via com bons olhos o ter de esperar assim
muito tempo por saber o que fazer - mas tal estado de desalento em que
fui sugado não me permitiria ouvir Deus, porque o "Seu nome será sempre
(mantido como) grande entre as nações" e eu acabava de passar para um
estado de espírito que por sinal também acabava por ser ofensivo contra
Deus e contra a Verdade!
Levei dois ou três anos a ambientar-me àquela situação, que no entanto
tinha tentado enfrentar mas sem jeito. Assim, comecei a resvalar para o
mesmo esgoto em que se encontravam quem me rodeava. O mais difícil foi a
primeira maldade - a segunda puxou a terceira e a quarta já embalava.
Desgostoso com Deus, comecei a deleitar-me no que o mundo oferecia, sem
nunca no entanto me sentir parte integrante dele. O desgosto de não ver
Deus a salvar os que me rodeavam era mais que evidente e então comecei a
pensar que prometera a Deus segui-Lo se Ele fizesse como prometera
fazer, mas tal coisa não podia ocorrer nunca naquele estado de espírito
em que me achava constantemente. O mal de tudo isto é que nuca imaginei
que pudesse sentir-me tão miserável como passei a sentir-me e ainda mais
depois de haver experimentado tanta vida sem igual. Não queria mais
pensar que poderia perder tudo o que havia encontrado, por isso
fechei-me repentinamente sem levantar um dedo para parar de resvalar. As
memórias de como Deus falava comigo antes, respondendo à oração pronta e
eficazmente, eram agora miragem de baixo valor, tudo porque
encontrava-me constantemente amargurado com o teor de todas as
ocorrências ao meu redor. Não deixava porém de pensar em Deus nunca e
raramente não me sentia forçado a voltar à plenitude da verdade que
perdera assim daquele jeito tão infantil.
O auge de todas as coisas foram as vozes que ouvia constantemente para me
ludibriarem para o engano parecido com a plenitude da verdade que
perdera. Não quero aqui especificar tudo o que se passou, visto haver
pessoas envolvidas nos meus desvarios sem fim que não quero de modo
algum carregar para esta minha confissão. Mulheres e senhoras bonitas
começaram a bater-me à porta mandadas não sei bem como nem por quem,
muitas das quais se sentiam muito bem acompanhadas pela semelhança calma
de espírito que ainda mantinha dos meus tempos áureos. Duma maneira ou
doutra nada demais se passava - acabavam por se fechar na sua, não sei
se era Deus quem assim não permitia que resvalasse de vez, ou se eram
apenas situações normais por que muitos passam. Nunca cheguei a perceber
muito bem as coisas. Se antes ainda me condoía de Deus já não operar
como operara antes comigo nos desertos do país que deixara para trás de
mim, agora já nem isso - comecei a desenvolver uma luta contra Deus por
Ele me 'haver abandonado' e eu próprio comecei a conspirar contra a
minha alma.
Comecei a desejar não pensar mais em Deus e a desejar que pudesse viver
uma vida normalíssima como todos os outros - mas tal coisa tornou-se
numa simples miragem empolgada em desvanecer-se cada vez mais. Passava
os dias na praia a ver se descobria algum meio de fugir ao inferno
doentio em que me encontrava forçado a padecer. Lucidez de espírito e
clarividência mental foi a coisa que nunca me chegou a faltar, quanto
mais não fosse apenas para conseguir ver muito mais claro a situação
deplorável em que me entalara e na qual quanto mais me mexia, mais
desaparecia sob fortes acusações que só conseguia ludibriar com outras
contra-acusações contra Deus, culpando-O pela calamidade espiritual em
que me encontrava tão súbita e repentinamente, embora a mão de Deus não
fosse curta demais para de tal estado me poder salvar, "mas as vossas
iniquidades fazem separação entre vós e vosso Deus para que não ouça"
nem atenda (Isaías 59:1,2). Se a vida era real antes, agora também era
aquela morte interior. Nunca conseguiria, no entanto, entregar-me a
vícios como o tabaco e a bebida porque odiava aquele tipo de pecado tão
mecanizado que leva as pessoas a destruírem-se despercebidamente, mas
não porque o fizesse por Deus mas sim por mim, se é que tal coisa valia
a pena mesmo! Mas, o que dizer de tudo o que se passava no meu intimo e
que acabava por guardar só para mim?
Durante os anos seguintes nem os amigos eram consolo, embora me
esforçasse para conviver com quem conhecera, também porque nada mais
tinha para fazer! Tentei muitíssimas vezes empregar-me sem conseguir,
tendo sido sustentado não sei bem como. Em tudo Deus estava contra mim:
de dia e de noite via a Sua mão a acelerar as coisas sempre a meu
desfavor. Constantemente, soprava dentro de mim uma voz e um chamamento
de volta, mas endurecia-me bruscamente sempre que a ouvia. Não conseguia
ouvir aquela voz sem mais me embrutecer em tristeza e agonia sem igual,
nem que fosse como que em busca de alívio da constante dor de perdição
que sentia a menosprezar-me constantemente.
A única solução seria engendrar alguma maneira de fazer com que Deus me
deixasse de falar, porque cada dia que passava, não conseguia resistir a
ser mais vil ainda dentro daquilo que pensava ser razoavelmente aceite,
sem que tal me viesse a desflorar em total abandono. Só queria era
deixar de ouvir Deus a chamar-me de volta. Mas nem tal estado de
perdição levou Deus a desistir de mim. Comecei a ir jogar em casinos,
pensando que assim Deus não me falaria mais, mas o que mais me
surpreendeu foi que até ali Ele me falava. Pensava eu que Deus teria
algum problema em ir lá falar comigo, se fosse para me buscar de volta?
Tal como Jonas, tentei de tudo para fugir de Deus, mas em vão. Nem no
mar mais tempestuoso seria ignorado e eu também ali via a mão de Quem eu
nunca quereria ver.
Comecei então a dedicar-me à fotografia, visto ter uma certa aptidão
natural para tal hobby. Comprei uma boa máquina fotográfica e não tardou
a aparecerem as modelos. Não as fotografava só por tentação, mas também
porque talvez assim me visse livre de ouvir Deus chamar-me de volta
constantemente. Daí a fotografar mulheres nuas foi um passo - mas isso
desgostava-me duma certa maneira e tentava esconder isso o mais que
podia. Fazia-me passar por quem gostava daquilo que fazia, mostrava aos
meus amigos as minhas 'aptidões' sem nunca incriminar quem pousasse nua
para mim, mas sentia-me cada vez mais infeliz. De vez em quando chorava
em silêncio no meu quarto. Os meus dias de festim em carne putrefacta
estavam lentamente a terminar - e Deus viu isso também, se não foi Ele
quem operou tal estado de espírito mesmo! Contudo, estava longe demais
da herança que havia perdido para os ladrões da minha alma.
Assemelhava-me a alguém que sabe nadar bem mas que, embora não temendo a
água nem as suas profundezas devido ao conhecimento de quem as controla,
já nada ou quase nada fazia por nadar nelas, pois sabia de antemão que
acabaria por me afogar. Mesmo que não fizesse o bem, também não
conseguia ver beleza no mal - se calhar nunca mais veria o bem, mas isso
também já não me assustava porque, no fundo, encontrava-me bastante
longe da terra prometida e, por sinal, demasiado amargurado para poder
reagir contra qualquer descalabro, fosse este eterno ou não. Não me
conseguia conter contra as tentações que me apareciam de todo e qualquer
lado,. Não via porque me havia de conter de fluir com a multidão à minha
volta, assim sendo.
A amargura contra Deus aumentou as suas proporções levianas, visto eu
sempre pensar que fora culpa de Deus eu ter entrado naquela gruta
infinita de meia-luz onde via sendo cego, e ouvia não querendo ouvir.
Sabia de toda a verdade sobre tudo o que nos está reservado depois da
morte, mas mesmo assim não era esse o meu dilema porque sabia que o mal
menor no meio disto tudo seria o inferno, mesmo sendo eterno - o que não
sabia perdoar, nem a Deus nem a mim mesmo, era aquela perda de vida
eterna que antes abundara no meu interior com tanta intensidade. O pior
de tudo seria passar sem aquela vida e sem o sopro de vida que ele a
todos dá mas que de todos os impuros, como eu passara a ser, iria fazer
abandonar para que sentissem a Sua perda. Só teremos aquilo que
desejar-mos de Deus: nem mais nem menos que separação d'Ele e do sopro
que nos deu! Eu não vou descrever aqui tudo o que passei em morto e bem
camuflado silêncio, mas estando por um lado a desabafar, espero ser
perdoado por quem eu tratei com emaranhados de perdição contínua e em
plenitude de teimosia contra o bem e o belo. A todos peço perdão,
esperando poder um dia recompensar com vida a morte que vos ofereci numa
das minhas bandejas corrompidas pela perdição que em mim reinava e se
fazia sentir: que o mal que fiz seja vos repartido em bem para todo o
sempre. O meu Deus chamou-me de volta e esforçou-se para além da
compreensão para me salvar, perdoar e vos poder ainda assim transmitir
vida, remetendo-vos ao único caminho possível para as vossas vidas:
precisamente aquele que não querem, ou por pertencerem a uma igreja ou
por se deliciarem ainda ao que mata sem chamar atenção sobre a dor que
nos sonambuliza para a perdição. Mas assim, fazendo tudo por me declarar
culpado em todas as besteiras irracionais em que me meti, tenho
enveredado agora por um caminho de ir ter com quem fiz mal para
regularizar-me perante todos - os contactos pessoais já feitos foram uma
maneira de me restabelecer perante o que perdi. Mas, vou acabar ainda o
resto da história, demonstrando como fui parar àquelas mãos poderosas de
novo e das quais espero nunca mais poder vir a sair. Não me alongarei
muito neste capítulo, porque haverá ainda muito mais para contar.
CAPÍTULO 7
A VOLTA SEM RESSENTIMENTOS DA PARTE DE QUEM SABE PERDOAR PARA SEMPRE
Numa bela noite, fui para o meu apartamento deixando os meus cães em casa
da minha mãe. Aquela voz de Deus era cada vez mais insistente e não
deixava qualquer margem para dúvidas sobre Quem me chamava - agora já
não havia aquelas vozes de engano, mas sim a dum estranho conhecido que
cada dia que passava mais insistia que o tempo era curto demais para ser
desperdiçado com aquelas recusas em assumir que seria apenas o meu
orgulho que me separaria de nova vida, de novo. Para além da voz, havia
uma constante e involuntária consciência de que estaria sempre a ser
chamado de volta. Deus é tão benévolo que não olha a meios para tirar
alguém de qualquer estado de antipatia, seja esta agnóstica ou não, ou
de qualquer simpatia hipócrita para com Ele, que só nos detém do bem ser
real em qualquer vida! Se Deus me perdoou, como de facto foi o que
seguramente se passou comigo porque dentro de mim carrego esse
testemunho que não é só meu mas real e profundamente purificador,
imagine-se o que fará Ele a qualquer que a Ele vier por e largar os seus
fardos de pecado e crime - não crime contra a humanidade, mas contra
Deus e contra a própria vida, porque qualquer que não ache Deus só o faz
conspirando contra si próprio!
Nessa noite que fui para casa tentar dormir, levei comigo uma carta que
recebera com uma circular da zona onde Deus ainda tem operado toda
aquela majestosa obra na África do Sul, a qual li pela primeira vez em
muito tempo, visto as outras terem sempre sido jogadas fora sem me dar
ao trabalho de as ler sequer. Aquela carta era de tal modo inspirada que
sucumbi num choro de tal ordem quando a li, que não sabia como parar
para poder receber Deus de volta. Continha simples palavras, mas
continham também uma vida tal em si que me penetrou até ao mais íntimo
do meu ser. Mas, mesmo assim, sentia uma vergonha enorme em voltar para
Deus, principalmente porque me 'habituara' àquela vida de ter medo e
vergonha de se falar em Deus abertamente - coisa que não tinha antes de
deixar Deus. Por essa razão, o ter sucumbido perante a graciosidade
daquele amor de Deus, ao ter vindo ao meu encontro para poder esquecer
de tudo o que eu havia feito contra Ele, não durou muito.
Mas a vergonha que sentia em voltar a estar com Quem havia vivido tão bem
levou-me, no dia a seguir, a retroceder, o que me fez ficar duro que nem
granito de novo. Um pecado endurece de tal maneira que nem o amor de
Deus consegue prevenir tal ocorrência - pelo contrário, parece que leva
as pessoas a enfurecerem-se mais ainda. Comecei outra vez a recordar
tudo por que passei e tal vista desgraçadamente panorâmica trouxe-me de
volta o rancor daquela tristeza profunda contra Deus que sabia camuflar
muito bem diante de qualquer pessoa.
Não queria voltar mais para Deus, estava penro, triste e com aquela
vergonha que sentia dentro de mim pelas atrocidades que sabia serem
grandes, mas que o mundo à minha volta que agora se ia perguntar e
inquirir sobre a minha súbita mudança nunca levava a mal, fecharam a
possibilidade de voltar a ter qualquer tipo de paz de novo. "Mas os
ímpios são como o mar bravo que não se pode aquietar e cujas águas
lançam de si lama e lodo. Os ímpios, diz o Senhor, nunca terão paz!"
(Isaías 57:20,21).
Lutava, e respondia negativamente a Deus que me
começara a chamar pelas últimas vezes. Uma das maneiras de sair ileso da
culpa da resistência que oferecia determinadamente era começar a
acreditar que aquelas vozes sempre me enganaram e porque iria eu agora
dar ouvidos a algo que não sabia se era Deus a chamar ou não? Mas
chegara a hora do ajuste final de todas as contas - e foi real demais
para poder descrever aqui em palavras. Não sei ao certo a que horas se
passou, nem como tudo começou, mas quando tentei ir dormir, umas noites
depois daquela em que sucumbi em lágrimas sob o efeito daquela
demonstração do amor de Deus para comigo, ouvia claramente Deus a
dizer-me para voltar e a mim mesmo a retorquir que não voltaria,
tentando apaziguar os meus sentimentos de culpa com o pensar em como
Deus fora injusto para comigo durante todos aqueles anos. Embora
enganando-me a esse respeito e sem querer de algum modo tentar definir
culpados deste imbróglio com remédio simples, fiscalizei todos os meus
horizontes de defesa contra Deus para que pensasse que teria um pouco de
razão e que não fosse apenas remota a possibilidade de me defender. Mas
o Senhor não estava com a mínima disposição de discutir nem culpas nem
culpados, mesmo no fundo sendo estas só minhas. O que Ele quereria
discutir comigo seria a minha futura obediência espontânea naquela que
viria a ser a minha última noite de rebeldia sem paralelo nas histórias
que conheço de pessoas que vêm a Deus - aliás, sei de casos que por
muito menos foram direitinhos para o inferno. Mas, por alguma razão que
nunca saberei precisar, permaneci para contar a qualquer que queira
ouvir a minha história.
Os horizontes de defesas estavam bem definidos, delineados e
salvaguardados para qualquer eventualidade de ser Deus quem estivesse a
falar comigo assim tão inquestionavelmente. Mas numa guerra nunca há
culpados se todos se resolverem entender e por esta razão Deus saltou
por cima das minhas barreiras tão bem armadilhadas porque Ele só
pretendia a paz com um culpado e disse sem deixar margem para que
duvidasse de Quem me estava a falar naquele momento: "esta é a ultima
vez que te chamo - se não vieres experimentarás os horrores duma morte
horrorosa e da qual nunca poderás escapar jamais!" Bem, as coisas
ficaram sem defesa possível desta vez! Se calhar não era Deus, pensei
mas muito baixinho não fosse eu ser ouvido! Mas não podia jogar mais com
aquela bola que nem quereria segurar. Mas também não podia mais deixar
de a contemplar presa na minha mão cheia de pecado e crime contra Quem
me criou. Estava com medo de passar a bola para o lado de quem eu sabia
ser justo. Mas, eu não sabia o que Deus me queria dizer com 'a morte',
já que dissera ser horrorosa! Pensei que ia morrer ou algo assim. Mas
não me assustei assim tanto como isso, talvez por causa da dúvida que
silenciosamente se ia apoderando de mim - não estava doente e por isso
não via como poderia morrer assim tão repentinamente. Porém, o meu vasto
critério para situações complicadas esgotava-se a olhos vistos em longos
segundos que mais pareciam eternidades que por mim passavam a alta
velocidade.
Nos momentos seguintes ocorreu-me algo que terei muita dificuldade em
descrever em palavras, pois não expressam minimamente o tipo de morte
que por mim passou. De repente senti um vazio de vida tão grande dentro
de mim que instintivamente pensei que estava morto e separado de
qualquer vida! Eu não estava fisicamente morto, mas uma tal ausência de
vida fez-se sentir dentro de mim, que mais parecia umas densas trevas
sem qualquer esperança de retorno dum abismo sem luz no qual fora
lançado não sei bem como. Mas o pior disso tudo era uma plena
consciência mais que angustiante e indescritível de trevas que de mim se
apoderaram sem baterem à porta sequer. Eu não estava morto mas sim sem
qualquer vida. Era agonizante o que sentia, porque a ausência de vida
que por mim passava viera para ficar para sempre - essa foi a
consciência mais horrível de poder aceitar! Lembrei-me da eternidade que
tantas vezes tentara compreender e entender. Mas agora não seria
importante entendê-la, porque pensei nunca mais poder vir a sair dela.
Que horrorosa se tornou aquela angustiante perda de vida. Agora
compreendia o que seria morte eterna, isto é, estar sempre a morrer sem
nunca chegar a morrer mesmo. Seria estar a morrer eternamente e
compreendi que o pior de tudo não seria o inferno afinal. O inferno será
apenas o local onde passaremos a desfrutar daquela morte sem fim.
Momentaneamente ao perceber o que era a morte eterna da qual a Bíblia
falava - que era morrer constantemente sem nunca estar morto, sendo
deveras morte eterna, senti que era o fim.
Mas esse fim não era tão penoso como aquela morte que sentia tão
fortemente, da qual tinha plena consciência sem igual! Era terrivelmente
densa, palpável e aterradora. Só de pensar que nunca mais sairia dela,
que passaria os milhões de anos seguintes naquele estado de morte sem
morrer, percebi que o fogo do inferno comparado com aquela ausência de
vida, seria a parte menos má do justo castigo de Deus a quem despreza a
vida eterna que Ele dá. A lei de Deus é "olho por olho e dente por
dente" e quem rejeita vida eterna tão bela como a que só Ele dá, qual
será a pena justa para tal crime tão displicente? Se a vida que Ele dá é
eternamente bela, o oposto daquilo será o sentir eternamente um género
de morte horrorosa que nunca mais tem fim. Naquela angústia quis-me
atirar do 7º andar onde morava - foi o meu primeiro pensamento. A morte
que se fazia sentir em mim era tão densa, tão real que nada mais havia a
fazer senão atirar-me de lá para baixo e tentar esconder-me numa morte
física que de nada me valeria por certo. Parei porque sabia que quando
fisicamente morto estaria a sentir e experimentar o mesmo ou pior do que
aquilo que em mim se manifestou para me atormentar para sempre! De certo
modo passei por aquilo que Judas Iscariotes passou pouco tempo depois de
haver devolvido aquelas sanguinárias e reais moedas de prata com que
vendera Cristo à morte - experimentei o que por ele também passou. A
diferença entre mim e ele foi que eu parei para pensar enquanto este
suicidou-se sem se lembrar que tantas vezes antes Cristo lhe havia dado
indícios de que também o poderia salvar depois de tal traição. Eu
considero aquilo que fiz pior do que o que Judas fez e se Deus me
perdoou, muito mais o faria a ele se este apenas tivesse a serenidade de
poder clamar a quem pode perdoar de qualquer crime e pecado!
Milagrosamente, ainda asfixiado pela minha terrível e mais que lúcida
consciência daquela intolerável e incontornável ausência de vida, ou
morte eterna, parei por uns instantes reflectindo, bem lúcido de que era
o fim e que durante milhões de anos nunca mais sairia daquela situação
impossível de ser descrita com precisão. Esta morte não só não nos tira
qualquer lucidez como faz com que estejamos nela bastante mais lúcidos
até. Tudo acabara ali e estava muito consciente de toda aquela realidade
sem fim - não haveria mais volta possível! Que horrorosa era aquela
perspectiva de eternidade sem Deus, sem sopro, isto é sem vida. Nós, cá
na terra, vivemos à custa dum sopro que Deus deu já desde Adão a todos
os que viessem nascidos de Eva. È precisamente este sopro que será
recolhido de novo, o qual pensamos soberbamente pertencer-nos. O pior de
tudo é que nos manteremos em plena consciência, mas sem sopro de vida.
As pessoas fazem por ignorar Deus, seja por vergonha, incredulidade ou
outros. Mas Deus faz com que todos os que assim O ignoram passem a ser
eles os ignorados pela fonte de vida que tão levianamente fizeram por
desprezar. "Quem se envergonhar de Mim diante dos homens, eu me
envergonharei dele diante do Pai!" Por esta razão lemos que muitos
quererão pedir a montanhas que os engulam quando da vinda de Cristo,
conforme nos narra a Bíblia.
Naqueles milésimos de segundo de reflexão em destreza com total ausência
de emoção, pus-me a reflectir em velocidade supersónica em tudo o que
conhecia do ser de Deus em apenas um momento (já alguém pensou tão
rápido assim?) e decidi que aquele não seria o meu fim - e não foi, por
isso ainda estou aqui a contar o que por mim passou! Uma fé
surpreendente abalou toda aquela situação, de tal modo que não era nem
emoção nem algo que se parecesse com a fé que remove montanhas - era uma
que transformaria o mundo se para essa finalidade estivesse a clamar,
porque até o céu se fez mover em minha direcção! Disse: "ó Senhor,
espera aí! Vamos conversar! Posso chegar a um acordo contigo onde Tu
impões as condições!" Não seria possível acreditar em Deus naquela morte
que se faz sentir assim tão veementemente. Mas como tive Deus por fiel à
Sua palavra, levei a Sua promessa aos meus lábios e ele devolveu-ma como
o sopro que de mim retirara. Tão repentinamente como desaparecera, a
vida que agora sabia e experimentara nunca haver sido minha afinal,
voltou como que por encanto! Não dá para descrever não só o alívio que
senti com aquela volta de vida que por sinal agora estava destinada a
ser eterna, como também o sentimento de gratidão que de mim se apoderou
por estar vivo e bem de volta à terra de quem respira! Senti-me
pequenino diante de Deus, senti que aquele Deus seria tão justo que não
deixaria alguém clamar a ele sem ser ouvido. Tenho consciência que
muitos teólogos irão contestar o que aqui afirmo, mas a razão porque
Deus não salvará directamente do inferno, será porque as pessoas não
conseguirão pensar senão mal de Deus dentro de tais tormentos eternos.
Existe uma promessa que diz "aquele que clamar ao Seu nome será salvo".
Não diz aqui de onde nem quem. Por isso decidi conversar com Deus ali e
agora sobre tudo o que teria contra Ele e dar-lhe uma oportunidade que
não tivesse fim nunca mais de Ele clamar dentro de mim salvando de todas
as acusações que eu tinha contra Ele, para que não mais continuasse
dentro delas com a possibilidade de me voltar contra Deus outra vez, já
que haveria a exigência também de ser sincero comigo mesmo.
Ouvia uma voz que nunca mais confundi e aprendi a conhecer bem a partir
daquele momento chave de retorno à vida. Dizia-me: "isto é graça, nunca
mais te esqueças; isto é o que é graça e misericórdia, das quais não
gostas de ouvir falar, lembra-te para sempre!" Mas as surpresas não
pararam por aqui! Muito mais de repente do que qualquer outra
manifestação de amor alguma vez demonstrada, toda aquela vida que
perdera quando deixara de possuir Deus dentro de mim, voltou em
proporções redobradas, recebendo um tal baptismo do Espírito Santo que
não esperava sequer. Esta foi a resposta aos meus pedidos de salvação
daquelas acusações que ainda poderia ter como justas contra Aquele Ser
maravilhoso. Tanto assim foi que me lembrei de todos os versículos e
passagens da Bíblia que haviam trazido tanto conforto e vida sem igual -
só que agora trariam muito mais! A vida voltara! Aleluia! Ondas
intermináveis de amor trespassavam todo o meu ser. Estava de volta a
comunhão e interligação que se havia interrompido anos antes! Só que
agora havia uma grande diferença - eu já não era o mesmo, nem o mesmo
que havia encontrado e deixado Deus! Sentia-me como que na mais alta e
bela montanha da criação de Deus, mas mais pequenino e nada seria levado
mais como anormal. Acabara de passar por realidades incompreensíveis,
então nada mais era-me anormal. A dupla vida que preencheu todo meu ser
era mantida em estado de graça, sempre como uma normal dadiva e não mais
como algo sobrenatural e é precisamente isto que se quer. Não se pode
pensar que aquela vida que Deus dá seja sobrenatural porque não o será
seguramente. Mais ainda, as suas proporções podiam ir aumentando sem que
eu me admirasse ou dedicasse a mantê-la manualmente - era aquela vida
que agora reinava e não mais eu. Percebi então o que é o reino de Deus
com mais profundidade ainda. É e era e será um reino por dentro de
qualquer ser aqui e agora, daí no Pai Nosso termos sido ensinados a
pedir 'venha o Teu reino'.
Mais bonito ainda se tornou depois de apenas haver acabado de sair
daquele buraco sem vida que a Bíblia descreve como um abismo sem igual.
Era um gigantesco buraco em vácuo de vida, o qual nunca pensei ser
possível! E era verdade, tão verdade que tudo se tornara novo, não novo
como da primeira vez, mas muitíssimo mais! E foi assim que comecei a
viver ressuscitando dum abismo já sem vida que me havia deixado a apenas
um pequeno passo da pior parte que nunca gostaria de passar a
experimentar! Se tudo aquilo era tão nefastamente ignóbil e sem qualquer
vida, imagine-se o que será ir mais fundo e ser consumido por chamas que
nunca mais terminarão. Por esta razão Cristo diz "onde o seu bicho não
morre, nem o seu fogo se apagará". Este será o preço a pagar por quem
pretende continuar a ignorar Deus, seja trocando-O por imagens, por uma
vida religiosa ou não, ou por qualquer outra. Se Cristo é vida, só pode
ser trocado por vida mesmo e esta própria e auto conduzida ainda por
cima! Qualquer tipo de vida que possamos manter fora de Deus será sempre
em detrimento daquela que Ele oferece sem dinheiro. ("Vinde, comprai sem
dinheiro ó néscios!") É aqui, naquele fosso sem qualquer vida onde não
mais contará o orgulho do homem, onde ninguém mais notará a diferença
entre preto e branco, rico ou pobre! Bem-aventurado será qualquer que
conseguir entrar no estado de espírito de poder ouvir Deus antes da sua
morte!
A todos os cépticos que duvidam da veracidade do que aqui descrevo com
maior ou menor dificuldade, também àqueles que se perguntam se esta
experiência tem veracidade Bíblica, eu quero demonstrar que sim, citando
a oração do profeta Jonas que aqui transcrevo para que não se pense que
ando fora do contexto das escrituras, as quais devem ser o nosso único e
ultimo recurso para ultimar qualquer verdade. Deus também diz que virá
numa hora que ninguém espera, como um bandido de noite. Aqui se segue
algo similar ao que comigo se passou.
"Orou Jonas ao Senhor... e disse: na minha angústia clamei ao Senhor, e
Ele me respondeu; do ventre do inferno gritei e tu ouviste a minha voz.
Porque tu me lançaste no profundo...todas as ondas e as tuas vagas têm
passado por mim. E eu disse: lançado estou de diante dos Teus olhos;
todavia tornarei a ver o templo da tua santidade. As águas me cercaram
até à alma, o abismo me rodeou... Eu desci até aos fundamentos dos
montes: os ferrolhos da terra corroeram-se sobre mim, para sempre; mas
Tu livraste a minha vida da perdição, ó Senhor meu Deus! Quando
desfalecia em mim a minha alma, eu me lembrei do Senhor e entrou em Ti a
minha oração, no templo da Tua santidade. Os que observam as vaidades
vãs deixam a sua própria misericórdia (quanto mais a de Deus!). Mas eu
oferecerei sacrifício com a voz de agradecimento; o que votei, pagarei:
do Senhor vem a salvação:" E eu digo 'amem a tudo isto.
CAPÍTULO 8
NOVA VIDA, DE NOVO!
Nesta altura, a minha situação familiar não poderia estar pior. A minha
família havia-me rejeitado por completo e se pudesse transcrever a
situação para papel, teria de usar de muito tacto para não ferir
ninguém. Porém, não consigo descrever muito bem tudo o que se passara
entre mim e a minha família anteriormente. Por seu turno, o meu irmão
consultara cinco bruxas diferentes que supostamente lhe disseram todas a
mesma coisa, isto é, que minha mãe lhe fazia mal por meio de bruxedo e
que por essa razão ele passava mal em sua vida material e não só! Maior
desgosto não podia ter afectado a minha pobre mãe. Esta chorava
indeterminadamente por sofrer muito pela inocência que lhe pertencia
nesta situação específica. Quanto a mim e excluindo a minha mãe, a minha
irmã mais velha e talvez o meu irmão, o relacionamento que encetava com
o resto da família adulta era de cortar à faca - e assim se manteve
durante muito tempo, vindo a reformar-se lentamente por coisas operadas
por Deus e pelo silencio a que me remetera de qualquer acusação mais ou
menos grave e mais ou menos injusta ou não. Sabia que por detrás daquela
situação impar na minha vida havia um processo de demolição de falsa
esperança e que tudo se desmoronaria a qualquer momento. O meu pai vivia
bem na altura, possuindo uma firma de construção civil que lhe dava
bastante ilusão acerca da vida em si - sentia-se muito seguro no mal.
Foi mais ou menos nesta altura que eu fui humanamente 'expulso' dos
negócios da família, o que me causou grande consternação. Nunca ajudara
por salário sequer, sendo acusado de coisas que tentei fazer às
escondidas para bem de todos por causa da irracional teimosia do meu pai
em destruir-se lentamente e à sua maneira.
Foi mais ou menos coincidente com esta altura todos os acontecimentos do
inesperado reencontro com Deus que acima descrevi minimamente, embora
não possa precisar assim com tanta exactidão o cronologia de todas as
ocorrências. Naquela noite em que experimentara tanto da orla do Céu
como da do inferno, estive horas de joelhos a limpar a minha eira, tal
como João Baptista diz acontecer quando Ele vier (principalmente até
nós!): "e também está posto agora o machado à raiz das árvores; toda a
árvore que não produz... é cortada e lançada no fogo... eu baptizo com
água, mas Aquele que vem após mim (quando vem mesmo)... vos baptizará
com o Espírito Santo. Em Sua mão tem a pá e limpará a sua eira e
recolherá... o Seu trigo e queimará a palha com fogo que nunca se
apagará!" Também disse Cristo "vigiai e orai porque não sabeis a hora
que Venho". Tudo o que fiz nessa noite foi inteiramente com um espírito
voluntário, sabendo de antemão que podia optar por não fazê-lo,
guardando-se Deus também na opção de me abençoar futuramente ou não!
Passei em revista todas as besteiras que empreendera, ruminei o bem e o
mal que havia consumido e cuspia fora tudo o que possuía sabor a morte.
Lemos nas escrituras que qualquer pecado gera a morte (interior) e que
por essa razão não conseguimos ver Deus a operar em nossas vidas. Agora
que reencontrara o paraíso, estremecia só de pensar que poderia perdê-Lo
por uma simples infantilidade, ao tentar manter algo em mim que operasse
essa dita morte sem fim mesmo. As escrituras dizem: "...e aconteça que
ouvindo as palavras desta maldição se abençoe no coração dizendo: 'terei
paz ainda que ande conforme ao bom parecer do meu coração, para
acrescentar à sede a bebedice".
A questão é que se pensa sempre que por havermos encontrado quem nos quer
e também nos quer tirar do mal a qualquer preço, passamos a pensar que o
mal nunca nos visitará ao continuarmos a crer n'Ele duma forma idiota e
semi-religiosa, permitindo-nos veleidades de pensar gastar o nosso curto
tempo cá na terra em aldrabices contra a nossa própria existência em
Deus, juntando ' à sede a bebedice'. A tais aconselha Deus que se tornem
sábios dizendo-lhes: ".... então fumegará a ira do Senhor (...) e Ele
apagará o nome de tal homem de debaixo do céu...", dizendo ainda que
"sábio é homem que conta os seus dias cá na terra". "Eu sei as tuas
obras que nem és frio nem quente... assim que nem é frio nem quente,
vomitar-te-ei da minha boca para fora. Como dizes 'rico estou e de anda
tenho falta e não sabes que és pobre, desgraçado, cego e nu.
Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo... sem dinheiro e
sem preço... para que enriqueças (de verdade!)... eis que estou à porta
e bato, aquele que ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei... e com
ele cearei.". Era o que aqui se desenrolava - Ele ceava literalmente
comigo, havendo mesmo trazido do melhor de Seu celeiro e fonte para que
''nunca mais tivesse sede''.
Remexi toda a pedra solta que havia em mim, limpei de uma vez por todas
tudo o que me aparecia na frente, buscava tudo o que fosse criminoso e
pecaminoso, passado e presente, todas as acusações a que me submetera
contra Aquele maravilhoso Ser que não tem culpa sequer das borradas que
os humanos pensam d'Ele! Experimentei um pouco em forma real e visível
(se é que tal seja minimamente compreensível) o que diz Deus a quem se
pretende entregar à confissão em arrependimento: (os versículos que aqui
se seguem são uma verdadeira discrição de tudo o que comigo se passou)
"vinde então e argui-Me: ainda que os vossos pecados sejam como a
escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam
vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã. Se quiserdes e
ouvirdes, comereis o bem desta (nesta) terra!" E mais: "quanto está
longe o oriente do ocidente, assim afasta de nós as nossas
transgressões. Como um pai se compadece dos seus filhos, assim se
compadece o Senhor daqueles que o temem, pois Ele conhece a nossa
estrutura, lembra-se que somos pó. Porque o homem, são os seus dias como
erva; como a flor do campo, assim floresce: pois, passando por ela o
vento, logo se vai e o seu lugar não conhece mais".
(Isaías 1:18, Salmos 103 12-16).
Eu ia experimentando, na prática, esta coisa que é mais maravilhosa e
real do que as palavras podem transcrever, por muito imaginativas que
estas sejam! Eu sentia literalmente pesos a serem removidos e lançados
para longe de mim, para nunca mais os ver - tão longe como estava o
oriente do ocidente. Não quero dizer que todos têm de passar por
semelhante coisa para serem perdoados, mas para se sentirem perdoados
nada melhor que 'lutar' com Deus pessoalmente em tempos de bonança
principalmente e enquanto ainda é dia, para que Deus possa dizer,
principalmente a quem não se deixa impressionar com tal revelação de
amor à primeira vista, "eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não há
dolo!" (João 1:47).
Tais manifestações de amor infindáveis como que
passaram por mim trespassando-me continuamente sem que nada pudesse
fazer em contrário, deixando um rasto de glória que dificilmente se
apagará enquanto estiver cá na terra. Mas tal coisa não se verá em si
enquanto não se decidir pagar qualquer preço, grande ou pequeno, para
encarar e aceitar as realidades que por qualquer pessoa se poderão
essencializar muito definitivamente.
Depois de passar horas a fio neste pé de guerra contra a eira que já de
si me era bastante suja e mal cheirosa, suja demais para que em qualquer
momento sem Deus pudesse vir a crer que tal limpeza em perdão sem fim
fosse deveras tão possível e tão real, mesmo assim não me acomodei com
aquela presença majestosa da qual eu agora passara a fazer parte. Já
agora que era possível, não se podia perder mais tempo em contemporizar
com a incredulidade que nos leva a pasmar com o que não devemos,
aceitando a razão pela qual Deus se deu tanto trabalho em tentar
alcançar-nos duma vez por todas, não fosse todo aquele esforço tornado
vão mesmo por caprichos que são comuns a todos os humanos incrédulos:
isto é, em obras da incredulidade!
Muitos há que se impressionam com um simples alarido da real presença de
Deus por causa da natural incredulidade que neles abunda frequentemente
por estarem naturalmente ou degenerativamente tão separados de Deus em
pessoa e isto profundamente e interiormente. Sabia que a razão daquela
grande manifestação da parte d'Ele, não era mostrar-me que Ele ainda
era, mas que seria a única oportunidade de me limpar convenientemente. O
adiar das coisas poderiam trazer uma morte súbita ao de cimo de novo,
estando eu muito pouco interessado em que tal coisa ocorresse mesmo! Tal
como Elias não se impressionara com as grandes manifestações de Deus no
deserto quando fugia das lanças de morte de Jezabel, assim não me
poderia dar ao luxo de me contentar com o muito que por mim já passava,
sem me assegurar de que poderia manter a Sua presença para sempre. Então
pus-me a conversar com Ele sobre tudo o que me infortunava e, maravilha
das maravilhas, Ele ouvia-me com um à-vontade tão grande que não pude
esquecer nunca mais a maneira como tudo se resolvia.
Em Isaías 59:1,2
lê-se que o Seu ouvido não é surdo para que não possa ouvir, que só as
nossas iniquidades fazem separação entre nós e Ele. Eu experimentava o
que era aquilo de Jesus não possuir um ouvido que não ouve. Até as
coisas mais banais a meu ver e que para o Senhor seriam grandes
questões, eram prontamente resolvidas com um precisão meticulosamente
característica só d'Ele. Se pensa que Deus é surdo, pense melhor antes
de 'decidir' que Ele não existe! O mais fácil de se fazer será resolver
que Ele não existe, transformando a mentira em verdade porque de facto
não existirá apenas na sua própria vida - e esse é erro que se paga e
pagará ainda mais daqui a algum tempo, custando-lhe aquilo que nunca
chegou a possuir sequer: a sua vida que sempre e erradamente pensou
pertencer-lhe. Talvez o mal esteja consigo, caro leitor, mas nunca com
Quem quererá carregar com as culpas dos culpados, inclusive as suas!
"Sobre Ele carregou as nossas ofensas" - esta palavra tem muito que se
lhe diga e espero que lhe diga já, sob pena de se poder esgotar o seu
tempo.
Temia por muita coisa insignificante até, razão pela qual não facilitei
de maneira nenhuma aquando daquela manifestação de graça real e
plenamente actuante. Não deixei de poder olhar para todo o pesar que me
fez afundar no mais profundo da tristeza interiormente, aquela que até
se tenta esconder para que não seja vista por ninguém supérfluo ou não,
mas desta vez vendo as coisas panoramicamente do lado contrário das
questões, queria agora vê-las do lado de onde fluía aquela graça sem
fim, como Deus as via, fazendo por esquecer a minha visão supérflua de
tudo o que me foi dado a acumular para que me sentisse tão morto assim.
Não me permiti a leviandade sequer de pensar que estaria tudo
regularizado já que havia renascido de novo para uma experiência sem
igual à face de qualquer planeta, sendo este o erro principal de muita
testemunha desta ocorrência magnífica. Há-de lhes corromper e doer muito
a consciência o facto de se terem prostituído com a visão que tiveram de
Deus, não ligando sequer à razão por que tal manifestação de amor se
empreendeu manifestar, isto é, para que a eira fosse limpa e sem
qualquer demora e não para que se pudesse sentir bem ou até mesmo
vangloriar-se, deixando de fazer uso de uma real e única oportunidade em
seu género, de se poder salvar duma vez por todas. Já que Ele ali estava
e assim tão presente, nada mais que aproveitar e excluir a morte - ou
mais do que isso - definitivamente dos meus horizontes longínquos ou nem
tão longínquos assim. Quem sabe se a morte não lhe esteja a bater à
porta já! Ou talvez a vida a dar-lhe a ultima chance de se poder salvar,
única no seu género.
No entanto, por muito que me esforçasse e embora muita coisa fosse
ficando resolvida logo ali e muito consultivamente, as Suas explicações
só iam até ao limite da minha compreensão - porém, a promessa de que
tudo prontamente se resolveria não se fazia esperar sequer e era-me dada
desde logo. Pude sair dali com grandes promessas - não apenas faladas,
mas inteiramente feitas - algumas das quais pretendo manter só para mim.
Não serão nada demais a quem não dizem respeito e é também por essa
razão que as pretendo guardar para uma narração futura, quando escrever
mais sobre o resto que ainda está para vir. Posso relatar apenas algumas
coisas que não serão demais para quem as possa entender e apreciar. Uma
delas tem a haver com a minha vida, a razão porque fui chamado de tão
longe, dos confins da morte e do pecado, confins onde nunca abundará nem
leite nem mel. Foi-me dito que eu havia sido ouvido quando disse a Deus
que se Ele fizesse comigo mais ou igual do que se desenrolava diante de
mim na África do Sul, a Ele daria toda a minha vida para esse fim. E que
agora teria apenas de me preparar, que tempos muito severos viriam para
a minha família e que iriam necessitar de Deus para se manterem dentro
da possibilidade de O ver antes de falecerem - esse seria o objectivo
mais imediato. O outro seria eu tomar conhecimento das muitas e simples
verdades Bíblicas, para que servissem de ajuda a quantos pudessem ouvir.
Outra coisa que se me prefigurou foi que qualquer coisa que pedisse,
dentro dos parâmetros de Deus, me seria dado, não existindo impossíveis
a Quem me chamara.
Depois de haver esclarecido tudo com Quem sabe mais e pode ainda muito
mais, virei-me lentamente para as pessoas com e a quem fiz mal e para
quem agora pedia que lhes fosse concedida uma singular oportunidade de
ouvirem de mim o quanto eu lamentava o mal que havia empreendido tão
estupidamente. Mas foi-me dado a ver que tudo se resolveria a seu tempo.
Pus o caso do meu irmão perante Deus também, não só por ele, mas porque
a minha mãe havia sido ultrajada inocentemente por muitas pessoas
envolvidas nas mentiras do bruxedo. Pedi a Deus que todas as pessoas que
ultrajaram a minha mãe viessem uma a uma pedir-lhe perdão para que ela
regenerasse a esperança de vida que perdera com tais acusações. Deus
disse-me que me ouvira e que teria apenas de ir dizer à minha mãe para
não mais se preocupar com tudo aquilo, porque viriam todos pedir-lhe
perdão. (A resposta demorou pouco em chegar na prática - uma singular
semana). Depois passei em revista a situação familiar, obtendo respostas
sempre de imediato enquanto e desde que não me angustiasse pela vista da
impossibilidade de tais feitos, humanamente falando. Para Deus não há
impossíveis e sempre que me apercebia disso, obtia resposta pronta.
Foi-me dado a saber que eu seria para muitos, até para a família, o que
José foi para todos na altura que se acercou o Senhor de mostrar ao
mundo que era Ele Quem mandava na Sua criação. Mais não digo.
No dia seguinte tentei dizer à minha querida mãe para não se preocupar
mais com a situação do meu irmão porque todos os envolvidos naquele
cerco viriam ter com ela um a um a pedir-lhe perdão, tal qual eu pedira
na noite anterior. Penso que ela não entendeu lá muito bem o que eu
queria poder dizer-lhe porque não dissera a ninguém que havia-me voltado
a vida em abundância, mas consolou-se de tal maneira que deixou
simplesmente de passar os dias a chorar na cama sem motivação para se
esforçar na vida que ainda lhe resta. As palavras proféticas que eu lhe
tentara fazer passar sucederam-se umas atrás das outras, sendo a
primeira pessoa a vir ter com ela para lhe pedir perdão ninguém mais que
o meu próprio e querido irmão - as outras seguiram-se umas atrás das
outras. Por isso, querida mãe, não foi ninguém mais que Deus quem fez
tudo aquilo, revelando assim o amor que tem para quem ainda pode viver
para Ele. Sem Ele tais milagres nunca seriam possíveis para quem deles
desfruta, muito menos ainda se a força da vaidade e orgulho que permite
e provoca as pessoas a tais monstruosidades provenham do bruxedo,
fornecendo-lhes a força necessária para se poderem manter em terrenos
escorregadios e férteis em mal e consequente condenação.
Nos dias que se seguiram houve uma reunião familiar da qual fui excluído
brutalmente, para discutirem em conjunto os problemas financeiros por
que passava a firma do meu pai, na altura a menina do seu olho.
Lembro-me que Deus me dissera que seria Ele próprio a lidar com meu pai
devido à sua natural arrogância contra tudo o que fosse ou falasse de
Deus, incluindo umas palavras mais ou menos sentidas anos antes quando
ele dissera que não me ajudaria porque queria ver se o Deus em quem eu
acreditava o faria. 'Não acredita ele em Deus? Agora quero ver como é
que ele se vai sair com Deus e sem mim!', (isto quando confrontado por
empregados por causa da sua destreza em ajudar e dar a todos menos a
mim). Naquela reunião, fui excluído brutalmente por todos, tendo sido
fixado como a pessoa menos desejada e mais desprezada no meio daquilo
tudo. Não direi que foi assim tão factual, isto foi apenas tudo o que
senti naquele momento. Lembro-me de me ir refugiar no quarto onde
dormia, tendo vindo Deus prontamente em meu auxílio, com as palavras que
não me trouxeram assim tanto conforto como isso, visto se dirigirem
agrestemente contra a soberba de quem não conhece Deus. Da Bíblia que
abrira, sem que quisesse abrir nalgum sítio específico, como que
saltaram para fora dela as seguintes palavras, ganhando a consistência
muito profunda de que seria o Senhor a dizer-me algo: "outra vez
decresceram e foram abatidos, pela opressão, aflição e tristeza; Deus
derrama o desprezo e os faz andar desgarrados pelo deserto (das suas
faltas de soluções), onde não há caminho (e que a minha família pensava
que ainda haveria). (Depois a promessa), Mas Ele (no fim de tudo
levantá-los-á) levanta da opressão o necessitado, para um alto retiro e
multiplica as famílias como rebanhos. Os rectos vêem isto e alegram-se
(pelo que não me podia entristecer com nada daquilo visto vir
directamente do forno de Deus!), mas todos os iníquos fecham a boca.
Quem é sábio observe estas coisas (para ver se irão ocorrer ou não!) e
considere atentamente as benignidades do Senhor". "Todos eles se
encurvarão diante de ti, pedindo que os ajudes". Lamento pela minha
família, mas só digo estas coisas aqui para que possa relatar com alguma
precisão tudo o que se vai desenrolando nas suas pobres vidas, alegando
e remetendo à promessa como a resposta final de tudo o que Jesus começou
a fazer - por certo uma coisa leva à outra.
Depois de bastante tempo, Deus guiou-me para o Algarve, eu ainda não
sabendo que o meu pai iria lá fazer um trabalho de grandes dimensões,
que o levaria à sua curva descendente no tocante à esperança que
depositava na 'salvação' tão levianamente prometida pelo engano do
dinheiro. Fui lá por causa de alguém que conhecia, esta pessoa estando
lá a trabalhar e através de quem vim a conhecer outras pessoas que por
sinal vieram a fazer-me ver muito como Deus opera ou não em certas
vidas. O meu pai ganhou o concurso para a dita obra de grandes dimensões
que seria o princípio do seu fim no tocante à vida material e que muito
provavelmente o irá forçar a olhar para Quem ele ainda despreza.
Eu não estava autorizado a dizer nada à família, nem tão pouco a quem
lhes pudesse informar da minha súbita convalescença e mudança
espiritual. Os comentários que se faziam quanto à estranheza de atitudes
diferentes a olhos vistos em mim, eram prontamente ignorados,
restabelecendo sempre o curso normal das coisas à maneira que Deus as
quereria ver empreendidas - seria o Senhor a actuar e salvar. No tocante
a elas, eu não tinha nada que acrescentar já que havia sido Deus a
proteger-me de qualquer coisa errada que me pudesse vir a ocorrer
durante esta longa peregrinação, da qual eu não posso esperar para ver
chegar o fim. Preciso gritar e contar tudo o que se passou comigo, a
esperança que trago e que está em crescendo de dia para dia. Espero que
tenha atingido esse propósito genuíno.
E a minha história não acaba aqui, mas por agora chega - mais tarde
voltarei a contar o muito mais que necessariamente ainda ficou por
contar. Finalizo com um apelo a quem leu. Aqui segue.
CAPÍTULO 9
CONCLUSÃO: REGRESSEMOS ÀS NOSSAS ORIGENS
É sabido que Cristo disse a quem o buscasse que o fizesse de todo
coração. E não é para menos, já que quando o rejeitam fazem-no com o
mesmo à-vontade e com essa mesma intensidade. Mas existe algo que
entretanto se corrompeu ao longo dos muitos séculos de tempestades
contra a verdade e a vida. Uma delas tem precisamente a ver com o facto
de as pessoas terem começado a associar Deus às igrejas e ao culto,
privando-O tanto a Ele como também a quem O busca de um encontro
pessoalmente íntimo entre Criador e criação. Nada disso estaria errado
se as pessoas fossem capaz de munir-se da verdade interior e que tal
fosse compatível com, não o que se prega na igreja, mas sim com o que lá
se vive.
Recordemos as suas palavras em
Mateus 6: "Quando orares não sejas como
os hipócritas (os que afirmam de pés juntos que têm o que
voluntariamente deles se ausenta!), pois se comprazem em serem vistos
pelos homens (...) mas tu entra no teu aposento e fechando a tua porta
(...) ora a teu pai (...) e orando não useis de vãs repetições como
(...) os (...) que pensam que por muito falarem serão ouvidos... porque
desfiguram os rostos (e alteram até a voz!) para que aos homens pareça
que (...) ". O grande perigo da religiosidade, hoje e sempre, é 'o
parecer que'. Basta 'parecer que' e as pessoas passam a acreditar também
que são. Nada mais enganoso e pecaminoso e idólatra que este rumo de
acontecimentos que dependem somente do próprio vazio que se faz existir
e sentir nas pessoas que os ouvem, para que sobreviva qualquer doutrina,
adultera ou não. É pecaminoso aproveitarem-se da fome que as pessoas
sentem em saber de Deus para as atarem a doutrinas, vigílias infinitas,
catequeses e mais que seja - tudo isso será em vão sempre que as pessoas
se sintam separadas de Quem as possa ouvir, diga-se desde já.
Desde muito cedo fiquei bastante perplexo ao saber e antever que os
erróneos não seriam os que andam por aí a matar e a esfolar quem quer
que encontrem vivos, mas sim quem prega e sabe da verdade. Dão ênfase
àquilo que sabem com alterações de voz, com preconceitos muito próprios
de 'sabedoria', falando e "tendo (toda) a aparência de piedade, mas
negando a eficácia dela". Descobri também depois de muito esforço
estonteante que por estes não possuírem a verdade que buscava, não
significaria de modo algum que esta não existisse. Daí que proponho que
nos achemos na responsabilidade de vir a saber e depois de encontrar
tudo o que nos possa servir, não só em forma de conhecimentos
verdadeiros sobre a verdade, mas que tal venha também a ser uma
realidade profunda e real.
Estranhei muito que todos os errados se baseassem na Bíblia, embora uns
mais que outros. Como justificar tais coisas? Imaginei, e ainda bem que
assim procedi, que teria de descobrir por mim mesmo, ouvindo-os ao mesmo
tempo ou não. Foi então que me comecei a aperceber-me que alguém tentava
contaminar a pureza da água já na sua fonte. Vejo claramente que o erro
advém devido a um simples motivo: as pessoas já possuem e detêm uma
determinada doutrina quando se tornam religiosas. Vão ler a Bíblia à luz
dessa mesma doutrina e tudo o que lêem fazem por readaptar àquilo que
pensam ser verdade e, enfim, àquilo que no fundo desejariam que fosse
verdade. È muito fácil substanciar na Bíblia qualquer doutrina que
possuamos. Descobri que até um assassino pode, se quiser, arranjar
motivos para matar baseados no que lê da Bíblia, porque Deus ordena e
ordenou destruição aos ímpios; o que estes necessitariam desde aí seria
apenas uma redefinição da palavra 'ímpio', passando tal palavra a
ilustrar misteriosamente as pessoas de quem não se gosta. Muito
dificilmente considerar-se-ia o ímpio a ele próprio como tal, mesmo
sabendo ser essa a única maneira de se conseguir salvar. Qualquer ladrão
se considera pecador mas nunca ladrão. Assim sendo, os outros passam
sempre a maus e daí a elaborar uma doutrina substanciada em verdades
Bíblicas vai um pequeno passo. Por isso lemos que Pedro escreveu sobre a
verdade que "os indoutos e inconstantes torcem igualmente as escrituras,
para sua própria perdição (...) guardai-vos pois de que pelo engano dos
homens (...) sejais igualmente arrebatados (e desbaratados!)..."
Por essa razão, seria muito fácil substanciar qualquer doutrina com
versículos bíblicos e eu aqui mencionei apenas uma maneira. Será muito
diferente alguém querer saber da verdade nua, crua (e bela como agora
descobri ser, algo que não esperava de facto), indo ler mas
esquecendo-se de tudo o que tem como preestabelecido devido a uma
qualquer ascendência religiosa ou não para que se possa saber
redescobrir qualquer verdade através da leitura do livro mais vendido de
todos os tempos. Agora, se a Bíblia não for vida para quem a lê, mas
apenas uma base de doutrina, algo de muito errado se passa com tal
agente, seguramente. "A quem acrescentar (...) alguma coisa, Deus fará
vir sobre ele as pragas que estão escritas neste Livro; e se alguém
tirar quaisquer palavras do Livro (...) Deus tirará a sua parte da
árvore da vida". Eis o aviso e também uma certeza: qualquer que quiser
honestamente descobrir a verdade, que o faça sem temor, porque "aquele
que busca acha". Eu testifico e testemunho que esta existe em forma de
vida e que é verdadeira e real.
Sempre que se faz 'parecer que', estamos enganados! Ou Deus é em nossas
vidas (tal como ele disse a Moisés 'Eu sou!') ou então somos muito vãos
em qualquer tipo de religiosidade aparente, por muito real que esta seja
mesmo! "... Emanuel, isto é Deus connosco..." - não faz isto com que
qualquer tipo de religiosidade nos soe a falsidade? Será que nos
afastamos assim tanto da coisa mais simples que existe à face desta
nossa terra, isto é, conhecer Deus pessoalmente? Porque haverá dito
Salomão "para o prudente (este) conhecimento é fácil"?
Como tenho tentado ilustrar, para qualquer tipo de proibição, como a do
casamento, até qualquer tipo de promiscuidade, se pode arranjar bases na
Bíblia. Mas que Pedro, considerado o primeiro papa, foi casado, isso
ninguém que não lhe convenha mencionará dum púlpito; e que Paulo não se
casou alguns não gostarão de mencionar. Uns baptizam assim, outros
cheios de rito cerimonial; de tudo há um pouco e todos se baseiam na
Bíblia. È impossível não notar que muitos até se antagonizam
doutrinariamente com ideias completamente opostas umas às outras através
do mesmo Livro: porquê? Isso será apenas porque ninguém se dá ao luxo (e
hoje, como sempre aliás, pode ser considerado luxo mesmo!) de saber
directamente de quem é detentor de toda a verdade agora e para sempre,
quer gostemos que assim seja quer não. Não o fazem porque tal
procedimento transcende a razão, sendo a razão a seu ver as muitas
histórias imaginadas na televisão como telenovelas e o que mais,
enquanto que qualquer verdade é devidamente posta na lixeira dos nossos
gostos e com muito cuidado, não vá alguém notar que tocamos na Bíblia!
Não haverá aqui uma inversão pecaminosa das muitas coisas que nos
interessam? A ilusão para nós chama-se razão e cada dia mais ainda; a
Verdade chama-se ilusão ou apenas alusão quando não queremos ferir quem
crê em Deus! Por isso diz a Bíblia "a Verdade cambaleia pelas ruas, e
isto pareceu mal aos Seus olhos!". Não será verdade que as pessoas
facilmente levam a ilusão aos seus próprios caprichos de verdade só
porque assim gostariam que fosse? Por outro lado exibem-se completamente
desinteressados de qualquer verdade viva e experimental só porque esta
não lhes convém!
A precariedade religiosa tornou-se então, não somente aparente aos olhos
de Deus, como também se tornou ofensiva contra qualquer tipo de verdade.
Desde a idolatria que o Senhor tão veementemente condena e fará por
desfazer em pedaços eventualmente, até todo o tipo de promiscuidade e
leviandade sobre e contra verdades eternamente infinitas; desde a
presença assídua do homem no simples perdão de pecados - uma verdade
bastante adulterada mesmo - até muitos se presumirem que falam em nome
de Cristo quando ao mesmo tempo fazem questão de se irem encurvando
diante de imagens e promiscuidades mais que simplesmente pecaminosas e
tão somente religiosas; será assim tão difícil levar em conta que nada
disto contribuirá para a salvação de qualquer um que queira falar com
Deus com a finalidade de deixar precisamente de ser fingido acerca do
seu pecado ou realidade espiritual? Será que fingimos que trabalhamos ou
que estudamos ou estucamos uma parede? Fará tal coisa tornar real alguma
vez o que a preguiça não se apraz a conseguir? Se assim é na nossa vida
normal, isto é, se uma parede não é estucada apenas pelo meu imaginar
estar a estucá-la, porque razão estarão os homens sempre a fingir então
sobre Quem, no fundo, nunca encontraram sequer e que será mais real
ainda que qualquer coisa visível na face desta terra em que fazemos por
sobreviver muito precariamente devido à ausência de Deus nas nossas
próprias vidas?
Quer dizer que as pessoas não se cansam de ver histórias sobre o ano 3000
efectivadas por mentes estupidamente prodigiosas, mas importam-se de
serem vistos a tentar descobrir uma simples verdade apenas! Não se
importam de serem vistos a adorar um pedaço de barro ou pedra só porque
estes se encontram pousados num qualquer altar duma qualquer igreja, mas
importam-se com o serem vistos a tentar descobrir verdades que não
sonham sequer serem mais belas que qualquer coisa que possam imaginar.
Lembro-me que antes de encontrar Deus fazia e esforçava-me muito para
ser feliz, para ser sorridente e descomprimido, coisas que muito
precisava de facto! Mas agora que encontrei Deus de facto, nem tal coisa
busco: já a tenho sem a haver buscado concretamente. Antes esforçava-me
por sorrir, e embora fosse sempre uma demonstração (que agora considero
apenas aparente!) de alegria e força de viver apesar de tudo, considero
que agora, por muito que sorria nunca conseguirei sequer manifestar o
enorme gozo que tenho e possuo dentro de mim e que faz questão em
manifestar-se sem que eu a tal me possa opor a não ser muito, muito
voluntariamente mesmo! Antes esforçava-me para manifestar felicidade
enganando o próximo de alguma maneira para que não tivessem que
vasculhar a minha eira. Agora deparo-me diante dum dilema de maiores
proporções que é a de possuir mais felicidade e alegria do que aquela
que alguma vez possa demonstrar e contabilizar. Não consigo dar conta do
que se passa dentro de mim e já desisti de tentar demonstrar para poder
ter sobriedade, paz e calma suficientes da enorme felicidade que carrego
dentro de mim, isto para que possa ser útil e normal no meu dia a dia.
Antes esforçava-me para demonstrar tudo o que não tinha; hoje esforço-me
para me conter no muito que tenho, o qual no fundo, não busquei. Eu não
busquei ser feliz e reconheço que tenho mais do que aquilo de que posso
usufruir interiormente, e é precisamente isto o que a Bíblia promete.
"Tereis vida em abundância, o vosso copo transbordará, a Minha alegria
vos deixo, não a alegria como a que o mundo dá;" tudo isto é verdade e
eu posso testificar que assim é de facto, tanto eu como quem me conhece
de perto. Antes morria de tristeza, agora procuro não desfalecer diante
de tanta alegria que por tudo e por nada se manifesta e transborda - se
é que desfalecer assim seja possível!
Recordo-me de uma biografia que li sobre um dos maiores evangelistas de
todos os tempos, a quem perguntaram se algo de errado se passava com ele
momentos depois de haver passado o que eu tentei minimamente descrever
em capítulos atrás. Ele apenas respondeu: "não, mas estou tão feliz que
não consigo viver!". Eu não acho que seria prudente alguém buscar a Deus
para ser feliz, pondo uma pedra de tropeço logo à partida desta corrida.
Porém estaria a mentir se dissesse que ao encontrarmos Deus como Ele
é e não como quereríamos que fosse, traz enormes proporções de
alegria à qual a mente humana terá de se reajustar para poder viver em
total sintonia com ela, como sendo tal ocorrência uma coisa normal - o
que no fundo é, mas por as pessoas não estarem habituadas a tal coisa,
terão de se readaptar para conseguirem viver normalmente com a presença
continua de quem é e sempre será majestoso. Ele não tem culpa de ser
assim; também não terá culpas por nós não estarmos a viver o que em
qualquer ser criado por Ele deveria ser normalíssimo e mais do que
habitual.
O tropeço existe, no entanto, porque o egoísmo em ser feliz é e sempre
será incompatível com esta felicidade continuamente crescente, isto é,
crescente na medida da ausência de egoísmo nos próprios motivos que nos
levam a tal busca e a tal misterioso e mais que certo e inevitável
encontro celestial com quem o busca. Tenhamos em conta que não será
porque tal encontro traz enorme felicidade a quem o desvenda e acha que
o vamos rejeitar também! Seguramente que não podemos ignorar que tal é e
será sempre uma realidade com que teremos de contar e que dessa
felicidade ninguém que O ache se livrará nunca. Agora, daí a pensarmos
que Ele não terá gozo em conhecer-nos intimamente também, vai um grande
passo, miserável passo, diga-se de passagem. "Porque Deus amou de tal
maneira o mundo que deu o seu filho unigénito para que todo aquele que
crê não pereça, mas tenha a vida eterna"
(João 3:16). Recordo-me de uma
lenda que ilustra de certa maneira um pouco do que aqui quero expressar
em papel. Havia uma ilha que tinha de tudo, desde ouro, pedras
preciosas, madeira, comida, onde nada faltava, de tal modo que ninguém
lá dava valor ao ouro que aqui dão, por exemplo. Mas como em todos os
paraísos cá na terra, havia um senão: muitos ratos e ratazanas. Era uma
peste e ninguém conseguia usufruir de um pequeno momento de paz sequer,
nem de dia nem de noite. Foi então que apareceu lá um marinheiro numa
rota de descobrimentos, o qual deixara lá uns gatos como oferta ao rei.
Prometeu que na volta para o seu País tornaria a passar por ali e zarpou
para longe. Passados uns anos apareceu lá o dito marinheiro para se
abastecer e cumprimentar o rei local. Qual foi o seu espanto quanto foi
levado em ombros e posto no lugar mais honroso da tribuna dessa tribo. O
rei aproximou-se dele com quantidades infinitas de ouro, prata e
especiarias locais que abundavam por ali até demais, manifestando que
nunca mais o iriam esquecer porque, dizia ele, a única coisa vil na sua
ilha seriam os ratos que os não deixava nunca viver felizes e que os
gatos entretanto multiplicados fizeram por desaparecer. Este marinheiro
não cabia em si de contente e foi contar aos seus amigos, quando chegou
ao seu País, toda a sorte que tivera em forma de agradecimento:
haviam-lhe dado um navio cheio de tudo o que no seu País consideravam
ser riqueza. Um outro e certo marinheiro, ao escutar tudo aquilo,
começou logo a calcular e magicar planos. O que o outro obtivera sem
egoísmo de qualquer tipo, este pensou ir conseguir com planos e mais
planos para desfrutar maliciosamente do bom coração de quem dava assim
tão abundantemente. Daí a aparecer nessa ilha com um barco cheio de
cavalos foi uma questão de tempo apenas porque, pensou ele, lá não
haveria nada igual. E de facto não havia e este marinheiro manhoso ficou
tão feliz em sabê-lo que não dormia de excitação. Imagine-se que o seu
amigo levara tanto ouro e não por meia dúzia de gatos - o que não iria
ele receber por um barco cheio de cavalos!?
Logo de manhã, decidiu partir por já não aguentar a ansiedade de ver qual
a sua 'recompensa' e quanto mais cedo decidisse partir tão mais depressa
descansaria a sua avidez em saber o resultado da sua malícia. O rei
lamentou muito que o homem fosse partir tão cedo assim, sendo ele amigo
e conhecido de quem trouxera tão grande benefício ao seu povo. Mas,
disse o rei, ninguém vem cá visitar-nos sem levar como oferta algo do
que eles na ilha consideravam o bem mais precioso que possuíam. O rei
pediu que o marinheiro o perdoasse porém por este não poder dar muito
dessa preciosidade, visto ainda não se terem multiplicado o bastante
para poderem dispensar assim tantos. O homem esfregou as mãos de
contente e pensou que mesmo que fosse só uma tonelada de ouro isso não
seria tão mau assim, mesmo sendo muito menos do que aquilo que o seu
amigo dali levara. Mas, intrigou-se porque logo deduziu que o ouro não
se multiplicava - ou seria diferente naquela ilha? Impaciente e a
imaginar o impossível que a sua mente perversa o levava a concluir,
porque a perversidade leva a sonhar e a acreditar até no impossível,
decidiu esperar sem dar alarme à sua concupiscência e por fim lá veio o
seu presente que o rei havia mandado buscar. "Aqui tem um casalinho de
gatos que é sinal da nossa imensa gratidão por ser a coisa mais preciosa
que agora possuímos nesta ilha! Todos nós esperamos que lhe tragam os
benefícios que a nós trouxeram e que o senhor diga ao seu amigo que nós
já valorizamos a sua dádiva mais que qualquer coisa na nossa ilha." O
homem saiu dali indignado e a penar sob a humilhação de ter sido
aconselhado ainda a ir ter de contar ao seu amigo a humilhação que o seu
egoísmo lhe trouxera. Claro está que nunca diria nada a ninguém, mas os
seus marinheiros companheiros encarregaram-se de o fazer.
Esta história ilustra bem o que quero demonstrar: que ninguém busque Deus
para ser rico ou mesmo pobre, feliz ou masoquista, preto ou branco, são
ou salvo, por alegria, felicidade ou tristeza. Qualquer um tem condições
mais que suficientes para o encontrar sem ser humilhado ao ponto de
desprezar até a ideia de Deus. Olhe-se por aí os enganos de quem prega
para ser rico e diz ser essa a vontade de Deus. A humilhação que sofrem
é e será o seu único prémio e depois ao persistirem no erro cairão em
tal ignomínia que nunca mais se levantarão! No Brasil e em muitas partes
do mundo vê-se tais coisas com frequência e nem o erro e a queda de uns
fazem vacilar os próximos aderentes a tais ideias e práticas, em
entregarem-se a tais crimes de enriquecer à custa da pobreza alheia e
através da própria destreza do pobre em querer ser feliz e rico. A
felicidade que Deus dá, será sempre super abundante, mas não será essa a
razão da sua essência e existência. Não teremos nós de recuar nas nossas
intenções de nunca permitir que Deus seja eficazmente real em nós, fora
de nós e por nós? Porque disse Cristo "aquele que perder a sua vida
achá-la-á"? Não teremos nós a responsabilidade de, como Paulo nos
aconselhou a fazer, testar os espíritos para ver se de facto provêm de
Deus ou não?
Lemos no último livro da Bíblia que a apostasia de uma muito grande
instituição religiosa iria prender muitos para a morte sob o pretexto de
os fazer crer que vivem para Deus através do sacrifício e de rezas
puramente religiosas. Aqui em Apocalipse lemos por exemplo da grande
prostituta (igreja que se prostitui com outros em nome de Deus!) e suas
filhas, aludindo mesmo ao facto que lá se fazem ouvir os cânticos do
Senhor e da verdadeira esposa do Senhor (os que o encontram a verdade!),
profetizando verdadeiramente a sua inevitável condenação em queda
perpétua dizendo mesmo "...em ti não mais se ouvirá a voz do esposo e a
luz a candeia não mais luzirá em ti...". Não é verdade que faz alusão
aqui precisamente a quem fala de Cristo, de quem diz presunçosamente
"estou assentada como rainha e não sou viúva e não verei o pranto" e de
quem Deus diz: "portanto num dia virão todas as tuas pragas, a morte, o
pranto e a fome... sai dela povo meu, para que não sejas participante
dos seus pecados e para que não incorras nas suas pragas, porque já os
seus pecados se acumularam até ao céu e Deus se lembrou dos pecados
dela... nela se achou o sangue dos profetas e dos santos e de todos
os que foram mortos na terra", porque Cristo disse mesmo que viria
um dia em que matariam os que vivem para Deus pensando estar a fazer um
favor a Deus? De quem mais poderia a Bíblia estar a falar aqui senão
mesmo de quem você está a pensar?
Eu não queria acabar esta minha história de amor, sem igual, sem dar um
cortante aviso a quem gostaria de conhecer Deus pessoalmente e sem meias
medidas: deixem-se de ser enganados com aquilo que nunca foi vida mesmo.
Na realidade é tão simples ver Deus, mais fácil será decididamente
impossível. Não quero com isto alegar sequer que não exista lugar na
terra onde não se veja Deus a operar como Ele mais gosta, de jeito
nenhum. Pelo contrário, afirmo completamente convicto de verdade que
tais lugares existem. Mas também afirmo que se não conseguirmos
encontrar Deus dentro do nosso coração, no nosso quarto ou na nossa
intimidade, nunca o veremos mesmo habitando no paraíso onde a Sua
presença se faz sentir ininterruptamente. A luta que eu empreendi para
achar Deus será desnecessária em si se o arrependimento contra o engano
da sua própria alma for confrontado desde já, levando em conta apenas e
tão só que para ver alguma coisa da Verdade, da Vida e do Caminho, isto
é, Cristo e somente Ele, quer queiramos que assim seja quer não. Bastará
prescutar a sua consciência para confirmar se assim é, aquela voz fina e
quase imperceptível. Também não vejo que razão terá nós para alegar
quando comparecermos diante d'Ele para explicar-Lhe por que razão nos
deixamos perder assim tão levianamente. Quero finalizar com um argumento
muito propício que Deus reiterou através de um dos seus profetas para os
que dizem, como eu pensava, "Eis aqui, que
canseira", (Mal.1:13). Aqui
se segue a palavra de Deus a qualquer pecador, seja este padre, pastor,
grande ou pequeno, drogado ou assassino - todos por igual, sem fazer
distinção seja de quem quer que seja. Assim diz aquele que faz tudo novo
e que do velho e do roto em nós pode fazer novas criaturas e que diz
para não pormos vinho novo em odres velhos: "Vinde então e argui-Me
(...) porque a mão do Senhor não está encolhida para que não possa
salvar, nem o Seu ouvido agravado (demais) para que não possa ouvir. Mas
as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus para que
Ele vos não possa ouvir: (...) os vossos lábios falam falsamente, a
vossa língua pronuncia perversidade; ninguém há que clame (de verdade)
pela justiça, nem ninguém que compareça pela verdade (...) a verdade
cambaleia pelas vossas ruas (...) Vinde então e argui-Me, diz o Senhor
(...) ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se
tornarão brancos como a neve (...) se tornarão como a branca lã. Se
quiserdes e ouvirdes comereis do bem desta terra."
Não vejo porque razão terá alguém de passar tudo o que passei se pode
resolver o seu problema pecaminoso e fatal duma maneira tão simples e
eficaz; será por a porta ser estreita e por ser apertado o caminho que
leva à vida? Que desculpa mais se poderá apresentar? O crer à sua
maneira? Salvará isso quem nem sabe qual o Caminho? O de haver nascido e
haver sido baptizado nalguma instituição milenar ou secular, recente ou
'certa'? Não diz Deus das instituições religiosas que fazem por prender
quem a estas pertence, privando-as assim do único bem que esta vida nos
pode oferecer eternamente, isto é, Deus em pessoa mesmo, que serão
julgadas por haverem prendido a elas mesmo quem deveria prender-se a
Quem sabe salvar? "Bem aventurados vós que não prendeis o pé do jumento
e do boi e que semeais sobre todas as águas!" E finalmente, a quem
deveras encontra a única salvação e por inteiro e sem quaisquer
cerimónias, digo tirando palavras do profeta Isaías "Não sabes, não
ouvistes que o eterno Deus, o criador dos fins da terra, não se cansa
nem se fadiga? Dá esforço ao cansado e multiplica as forças ao que não
tem nenhum vigor. Os jovens se cansarão (eu que o diga!) e se fatigarão
(de certeza!), mas os que esperam no Senhor renovarão as suas forças,
subirão como águias: correrão e não se cansarão, caminharão e não se
fatigarão. Calai-vos perante Mim e renovem as forças: cheguem-se e então
falem, (não antes) cheguemo-nos juntos a juízo" e ninguém morrerá por
isso, porque até um salmista disse em
Salmos 42:2, "a minha alma tem
sede do Deus vivo: quando entrarei e me apresentarei ante a Sua face?"
Ora se assim não suceder, para quê continuar a ser religioso ainda? Que
assim seja consigo também, porque se Deus não for real, de nada serve
aquilo que fazemos ou em que cremos!
José Mateus
Portugal